Crônicas

A venda do “Seu” Enock

As vendas do século passado não possuíam organização, os produtos ficavam embolados, alguns expostos e outros não, separados do freguês por um balcão.

Por: Marilene Depes em 3 de setembro de 2025

Os jovens nem sabem o que é uma venda, posteriormente denominada armazém e finalmente supermercado. Os supermercados de hoje comercializam produtos variados, mas não se comparam as vendas similares à do “Seu” Lidirico, um comerciante tão famoso do Vale de Jequitinhonha, que virou até música e me inspirou.
As vendas do século passado não possuíam organização, os produtos ficavam embolados, alguns expostos e outros não, separados do freguês por um balcão. Vendiam cachaça, kichute, penico, gaiola, pássaros, cigarros, peneira, bomba de matar mosquito, esteira, bola, espelho, vela, havaiana, Novalgina, sabonete, guarda-chuva, vassoura, vara de pescar, rapadura, mel, chiclete, alfinete, linha e agulha, tecidos, mantimentos e uma infinidade de produtos.
A venda da minha infância era do “Seu” Enock Moreira da Fraga, em Soturno, um senhor sério e respeitado, comerciante único na região. Lembro-me dos sacos de estopa repletos de feijão e arroz, vendidos a quilo e pesados em balança de dois pratos e uma carreira de pesos. Na venda do “Seu” Enock tinha carne seca, cachaça, rapadura, botina, penico, ferramenta, tecido, sabão e sabonete, querosene, queijo, panela, fumo de rolo, entre outros produtos e de cuja miscelânia desprendia um odor que ainda sinto impregnado nas narinas. Macarrão não se vendia, era produzido em casa, e nem carne, as famílias criavam os animais para abate, galinheiros e chiqueiros eram comuns nos quintais. Meu objeto de desejo era o baleiro giratório de vidro, repleto de pirulitos, cocadas e balas de chupeta. Não havia chicletes nem chocolate, e não fazia falta o que não se conhecia.
Em Cachoeiro a tradição foi mantida até pouco tempo com o “Rei da Miscelânia”, que só não comercializava perecíveis. As vendas evoluíram para os armazéns especializados em produtos alimentícios, e que ainda podem ser encontrados. Mas as vendas, ah, essas só existem em nossas memórias afetivas.