Artigo

Bem-te-vi

Tempos atrás me deparei com um ninho próximo à Banca do Jorge. A banca ficava entre o Mercado Municipal e a antiga Padaria Brasil, na Praça São João.

Por: Sergio Damião em 27 de outubro de 2025

Tempos atrás me deparei com um ninho próximo à Banca do Jorge. A banca ficava entre o Mercado Municipal e a antiga Padaria Brasil, na Praça São João. Desapareceram a Banca, Padaria e muitas outras coisas da nossa cidade. O ninho se acomodava no alto de um poste de iluminação pública. O calor da lâmpada aquecia seus habitantes nas noites frias de fim de outono e começo de inverno cachoeirense. Era pequeno, forma oval, vários gravetos se sobressaíam. Não era bonito, mas parecia aconchegante como toda moradia construída com esforço e perseverança. Os moradores se alternavam, seus proprietários (genitores) expulsavam os aprendizes tão logo percebiam a capacidade de sobrevivência. Foi em uma dessas expulsões que o conheci. Apesar da passagem frequente pelo local nunca reparara até então. Em um final de semana, ao me aproximar da banca de revistas, reparei no esforço do Jorge, o guardador do ninho, em alinhar um pequeno pássaro colorido (cabeça preta e peito amarelo), que dizia tratar-se do Bem-te-vi, de volta a árvore, esperava com essa pequena ajuda que alcançasse o ninho, no poste ao lado. Após algumas tentativas de recolocar o filhote de Pitangus Sulphuratus, desistiu. Concluiu que, os genitores não o expulsaram, buscavam levá-lo ao amadurecimento e desenvolvimento através da liberdade. Aprenderia a voar, e assim, ganharia o mundo. Mas ele, tão logo deixava o ninho, desabava no asfalto. Junto aos carros da avenida. Pelos riscos do local, as chances de sobrevivência eram pequenas. Nascera em local inadequado. Assim como muitas crianças da nossa cidade. Jorge acompanhava a natureza, as coisas do ser humano e as coisas da cidade. Sabia que gerações se adaptam e hormeses acontecem. São maneiras diferentes de viverem e vivermos. Bom seria se a ave de cabeça preta e peito amarelo continuasse exibindo seu canto em toda região brasileira. Que o Bem-te-vi continuasse a encantar São Pedro, padroeiro de Cachoeiro de Itapemirim, em mês de junho e em todos os meses do ano. Quando ele eleva o voo e, ao longe, ouvimos seu sinal, ficamos com a certeza que São Pedro esquece as chuvas e que o sol estar por vir. Com seu canto, lembramos o calor e aconchego de um ninho. E, é o que buscamos quando adormecemos.