Crônicas
A cheia do Itapemirim
Em volta do prédio o caos, tristeza e medo. Uma semana depois, gradativamente, as coisas retornam aos seus lugares.
Por: Sergio Damião em 17 de fevereiro de 2020
No momento da cheia, estava em São Paulo com Bernardo (dois anos de vida). No domingo, um dia depois, voltei ao apartamento, retirei as coisas do refrigerador: algumas doadas, outras perdidas. Em volta do prédio o caos, tristeza e medo. Uma semana depois, gradativamente, as coisas retornam aos seus lugares. Caminho ao lado do rio: ele sereno; eu angustiado. Vou de encontro à Banca da Tereza, bem no centro de Cachoeiro. Ela conta os momentos críticos. Em seus anos de convivência com o rio, nada tão intenso. No retorno para o apartamento, pensei nas perdas. Mais ainda na “Arte de perder”. Sim, se perdemos sempre alguma coisa na vida, como lidar? Durante o momento crítico da cheia do rio, perdi a chance de escrever os versos do “Lamento do rio”, uma verdade da poetisa cachoeirense Scheilla Lobato. Perdi a chance de contar a agonia de um rio por trazer tantas destruições por ter sido agredido e tomado em seu leito. Gabeira tem razão quando escreve que não podemos perder a chance de perguntar se as cidades brasileiras estão preparadas para lidarem com os eventos extremos. Pois, as chuvas mudam de intensidade e caem em ruas e avenidas cada vez mais alteradas pelas mãos humanas. Com a cheia do Itapemirim, entre as perdas, lembrei-me do Carlos e da Márcia, um amor impossível de se concretizar. Ele encontrava-se na porta do Centro Cirúrgico, com parada das batidas do coração, em consequência de um Aneurisma Dissecante de Aorta Torácica. Sem nenhum reflexo. Algo confuso, não sabia distinguir se um sonho ou pesadelo. Mas: “Alea Jacta Est.” Isto, pensaria como Julio César, o imperador romano: “A sorte está lançada.” Pensaria como César: “Vim, vi e venci.” Mesmo sabendo que a poesia de Vinicius de Moraes, Meu Tempo, era a mais apropriada para os seus instantes: “Minha sorte está lançada/ Eu sou, eu sou estrada/ Eu sou, eu sou levada/ Eu sou, eu sou partida/ Contra o grande nada – lá vou eu! […]” A cirurgia varava a noite. Permaneceu em sonhos, sob efeito anestésico. Pensava em Márcia. Voltou à poesia, Vinicius completava: “[…] Entre os ecos do infinito/ Eu grito, eu mato a solidão/ Eu sou meu tempo, eu vou/ A ferro e fogo, eu corro/ Eu vou, eu canto e grito: amor!/ Eu vou, eu vou, eu canto e grito: amor!”.