Crônicas

A praça tem história

Pela configuração dos prédios ao redor e dos carros estacionados, numa época que poucos possuíam carros, imaginei tratar-se da década de sessenta.

Por: Marilene Depes em 28 de novembro de 2023

O amigo Higner Mansur postou no facebook quadro que retrata a Praça Jerônimo Monteiro, e a postagem dele me fez mergulhar no tempo. Pela configuração dos prédios ao redor e dos carros estacionados, numa época que poucos possuíam carros, imaginei tratar-se da década de sessenta. E a praça se apresentava emoldurada por muito verde, verde esse oriundo de árvores denominadas ficus, decorativas e devidamente podadas, que ofereciam sombra refrescante.

Fiz o primário no Bernardino Monteiro e a ginástica acontecia à sombra dos ficus, cujas aulas eram tão simplórias que não sei por que tínhamos que usar bombacho para exercícios que se restringiam a braços e bastões. E nesse espaço entoávamos o Hino Nacional com frequência, além de outros hinos pátrios.

A postagem do Higner deu sequência a comentários saudosistas questionando por que acabaram com os ficus e com o bucolismo da praça. E me vi na contingência de explicar que elas não foram cortados por algum governante sádico, o que aconteceu foi uma adversidade ecológica. Na década de sessenta, não sei precisar o ano, surgiu uma praga que atacou os ficus. Eram pequenos insetos, que grudavam nas folhas e saíam em revoada atacando quem passava pela praça, principalmente se estivesse usando roupas amarelas e causavam coceira intensa. Quando batiam no olho ardiam tanto que deixavam a vítima temporariamente cega. Como o brasileiro é sarcástico, na época o político que se destacava era o jornalista e Governador do Rio Carlos Lacerda, inimigo de Getúlio Vargas, de ultradireita e que atacava e incomodava muita gente, daí os insetos foram batizados de lacerdinhas.

E os lacerdinhas foram destruindo as folhas de ficus, que se encrespavam e adoeciam, e a praça, onde os jovens se encontravam para seus namoricos, virou um local inóspito. Vale destacar que Cachoeiro era uma cidade pequena e a praça era o ponto de encontro, principalmente aos domingos, quando as moças desciam após a missa na Catedral e de braços dados andavam de um lado pra outro, e os rapazes ficavam de longe criando coragem para chegar até suas preferidas. Era a diversão de uma época sem televisão, com poucos cinemas, e nem todos tinham acesso as vesperais do Caçadores. A vida da cidade girava em torno da praça e a juventude possuía uma simplicidade enternecedora, numa análise atual. As moças se sentavam nos bancos embaixo das árvores e os rapazes ficavam observando do outro lado, na esperança de captar alguma perna descuidada sob as saias comportadas que cobriam metade das canelas.

Na praça namoramos, até Ronaldo adquirir um Interlagos amarelo, alvo preferencial dos lacerdinhas. A praça tem muita história e fizemos parte dela.