Crônicas
Amor, paixão e felicidade
Fingira não ver o momento em que ela desviou de caminho e ganhara o vão livre da ponte. Melhor assim, pensava. Não saberia o que dizer.
Por: Sergio Damião em 24 de agosto de 2020
Carlos ultrapassara a ponte próxima à igreja. Seguia com passos cambaleantes pela beira do rio Itapemirim. Era amparado pelo filho. Caminhava pensativo, percebera, minutos atrás, a presença de Márcia. Fingira não ver o momento em que ela desviou de caminho e ganhara o vão livre da ponte. Melhor assim, pensava. Não saberia o que dizer. Apesar de resignado, parou de frente para o rio e retornou o olhar e o corpo em direção à ponte e visualizou a silhueta de Márcia. Um corpo moldado pelo tempo, ainda assim, belíssimo. Voltou o corpo para a calçada, seguiria em frente, fortaleceria mente e músculos. Deixaria a paixão amorosa repousar em sua memória. Buscou o braço do filho, aproveitaria o tempo que lhe restava. Um tempo, quando no leito de Terapia Intensiva, que poucos acreditavam que ainda lhe restava. Por isso, aproveitaria a vida de uma forma diferente. Pois o tempo, mais ainda o tempo de uma vida humana, é descrito, nominado e quantificado pela intensidade em que vivemos os instantes. À beira do rio, naquele instante, encontrava-se leve. A angústia, pela busca da Márcia, desaparecera. A saudade apresentava-se gostosa, em forma de uma lembrança carinhosa e reconfortante. Um agradecimento por ter vivido um grande amor, mesmo que em forma de paixão angustiante. Recebera um presente, a possibilidade de mais um tempo de vida, tempo de se aproximar de pessoas que negligenciara. Caminhar à beira do rio era algo que o satisfazia. Desde sempre aproveitava as manhãs e fim de tarde à beira do Itapemirim. O tempo prolongado em UTI deixara o vazio. O vento em face despertava o prazer antigo e preenchia de satisfações o vazio em que se encontrava. Aproximava-se do fim da calçada da Beira-rio, encontraria a Samarina (a árvore de copa imensa, no fim da avenida). Logo, estaria de volta em direção à Ponte de Ferro. Em seu retorno teria a companhia da lua. Estava em paz. Márcia, certamente, alcançava a paz. Mesmo que a saudade o incomodasse em alguns instantes, estaria feliz. Ela alcançaria a felicidade também. Percebia a paixão diminuir, o sentimento era diferente, uma forma de amor. Pensou: as escolhas. quando nutridas pelo amor, nem sempre são para satisfazer desejos e necessidades pessoais, mas para a felicidade de pessoas que se quer bem.