Crônicas

Apenas observações

Tenho prazer em escrever sobre o cotidiano, gosto de observar, de ler e de falar pouco, cada vez menos. Discutir comigo é impossível, quando percebo ambiente carregado caio fora.

Por: Marilene Depes em 22 de maio de 2021

Tenho prazer em escrever sobre o cotidiano, gosto de observar, de ler e de falar pouco, cada vez menos. Discutir comigo é impossível, quando percebo ambiente carregado caio fora. Tento cuidar da saúde mental, e uma das medidas é fugir de gente e grupos beligerantes, harmonizo meu espaço e mesmo quando é preciso opinar procuro não ofender com grosserias. Observo que houve um crescimento geral da maturidade por conta da pandemia, um maior envolvimento emocional com o sofrimento alheio e um cuidado com a saúde mental. Contudo também observo um aumento muito grande de pessoas deprimidas, que perderam o sentido da vida, desesperançadas enfim. E em idosos os casos de Alzheimer aceleraram, filhos relatam que em um ano os pais tiveram perda rápida da memória em consequência do isolamento, do medo e de toda situação que atingiu principalmente os idosos – longe dos amigos, familiares, na impossibilidade de fazer as pequenas tarefas do dia a dia que lhes permitia a socialização, e temor e desconhecimento da realidade presente e futura.
Fazendo um retrospecto em todo esse período lembro-me que os três primeiros meses foram os piores, não sabíamos nada sobre a doença, apenas que era altamente mortal para os idosos. As notícias sobre as consequências do vírus na Europa eram alarmantes, e cada um que pretendia preservar a própria vida apertou o pé no freio das atividades cotidianas e se isolou. Pessoas com vida ativa tiveram que abandonar trabalho e reuniões, se tornaram prisioneiras do medo e passaram a desempenhar no dia a dia tarefas exaustivas e pouco edificantes, como lavar e desinfetar frutas, verduras e até embalagens de compras. Quem não possuía forças para desempenhar tarefas caseiras se tornaram fiscais das faxineiras e as seguiam aspergindo água sanitária por onde passavam. Os netos, amores dos avós, se transformaram em vilões e responsáveis pelo disseminação do vírus e ficaram impedidos da convivência mais prazerosa da vida, para ambas as gerações.
Eu e meu marido tivemos que abandonar nosso trabalho que preenchia positivamente nosso tempo e só começamos a retornar à vida quando decidimos que poderíamos regressar de forma segura e consciente. Estive à um passo da depressão e saí incólume através de muito exercício físico, leituras, imersão em estudo de línguas, oração e muita fé que tudo iria passar. E é a fé que me sustenta a cada dia diante das perdas que ainda se avolumam. E a catarse ocorre com a escrita, com a qual mantenho a sanidade…