Crônicas
Fanatismo tem limite
A ignorância me preocupa, não a ignorância por falta de educação formal, e sim a ignorância de quem não tem limites, do atrevido que não pensa para falar nem para agir
Por: Marilene Depes em 19 de maio de 2020
A ignorância me preocupa, não a ignorância por falta de educação formal, e sim a ignorância de quem não tem limites, do atrevido que não pensa para falar nem para agir, que se considera acima da lei e das convenções sociais, e não respeita pessoas, entidades, poderes e instituições. Assusta-me o fato de estarmos sendo governados por quem não se adequa a formalidade do cargo, que utiliza linguajar chulo e grosseiro, que adula quando precisa e dá pontapé sem cerimônia em quem possui brilho próprio ou não reza em sua cartilha.
Recordo-me que meu desagrado é bem anterior aos fatos presentes. Na votação do impeachment da presidente Dilma, o então deputado deu seu voto exaltando a memória do coronel Brilhante Ustra, torturador do período da ditadura. Em outra ocasião atacou a Deputada Maria do Rosário após ela proferir discurso em defesa dos direitos humanos, e afirmou que só não a estuprava porque ela não merecia. Aí ele se revelou, pelo menos para mim e tantas mulheres que abominaram sua fala. E veio a candidatura, e numa das primeiras entrevistas afirmou que teve quatro filhos homens, e numa fraquejada veio uma mulher. Em outra declaração afirmou que quem tem filho é consumidor e quem tem filha é fornecedor. Grosseria de baixo calão e machista. E em seu discurso cita Deus, família e pátria – que exemplo de família? A de quem vai descartando as esposas mais idosas e trocando por jovens? De quem prefere ter um filho morto do que gay e fala com orgulho daquele que ficou com metade das mulheres do condomínio? Como mulher, esposa, mãe e avó, não me sinto prestigiada por suas palavras e atos.
E por conta do que pregou durante a campanha – moralidade e perseguição aos ladrões do erário público, num período em que coincidiu com vários processos resultando em prisões, o povo ficou obcecado pelo suposto ícone da moralidade. E como não aderi a onda, perdi amigos, e até fui responsabilizada por discórdia em família. Me calei e resisti. Não entendia a polarização – ou se é de extrema direita ou se é comunista, ladrão e safado. E numa campanha repleta de fake news e atrocidades ele saiu vitorioso, e o cargo o tornou mais arrogante, grosseiro e agressivo, não respeitando a dor dos que sofrem. E no meio da pandemia que ceifa milhares de vida, convida para churrasco, futebol e passeia de jet sky, quando deveria estar visitando hospitais e apoiando governadores e prefeitos, na linha de frente, tentando salvar vidas. O que me deixa perplexa são os ainda fanáticos.