Crônicas

Helinho Sampaio

Recordo-me dele na praça, entre artesãos, aspecto hippie e a humildade de toda vida.

Por: Marilene Depes em 21 de setembro de 2020

Recordo-me dele na praça, entre artesãos, aspecto hippie e a humildade de toda vida. Passaram-se os anos e um dia ofereceu-se para alegrar, com sua música, os idosos da Vila Aconchego. Chegou à pé, com um violão às costas, limpo, bem vestido, abriu um lindo sorriso, pediu desculpas e explicou porque a voz estava um pouco estranha – são os dentes novos, que foram patrocinados por um benfeitor, que estava proibido de revelar quem. Cantou mansamente, músicas de Sérgio Sampaio, Zeca Baleiro, Zé Ramalho e outros, seu repertório era primoroso. E finalizou me confessando que os anos de bebida não lhe tinha afetado a memória.
Esse foi o início de nossa convivência. Ele trabalhava de vigia no CRAS do Zumbi, e tinha os dias disponíveis para se movimentar pela cidade. Eu não entendia como um artista do calibre dele ainda não estava lotado na Secretaria de Cultura. E quase diariamente ia à Vila Aconchego onde sentia-se acolhido, gostava de conviver e cantar para os idosos, dava aulas de violão para hóspede e funcionário, testava o grau de glicemia – sua diabetes era elevadíssima, almoçava e ainda cometia alguns pecados sem culpa, que era saborear doces e bolos diet. E levava pedaços de bolo para seu lanche da noite.
O final do ano representava período de incerteza, não sabia se seu contrato seria renovado. Certo dia chegou anunciando que fora admitido na Secretaria de Cultura, iria dar aulas de violão em projeto social, e estaria ocupado durante o dia e sem condições de manter a rotina anterior. Reservado, não falava da sua vida particular, apenas me revelou que tinha um filho. Não demonstrava amargura com a vida, eu só observava nele muita gratidão, pelo casal que o ajudou a reconstruir a própria vida e outros benfeitores. Em outra ocasião chegou feliz na Vila Aconchego, fora indicado pelo Prefeito Victor Coelho para receber a Comenda Rubem Braga. Fiquei calada, eu também fora e não quis parecer presunçosa diante da sua humilde alegria. Como alegre me revelou, em outra ocasião, que iria para o Olinda, cantar no Festival em homenagem a Sérgio Sampaio. E participava de outros eventos divulgando à obra do irmão ou a própria.
Em alguns aniversários me pediu o patrocínio de um bolo diet, e eu atendia com o maior prazer. E a nossa despedida não podia ser mais significativa, nos encontramos em frente à casa dos Braga, ele reclamou da pandemia que o impedia de estar com seus alunos de música. E dali, dos portões dos Braga, quem sabe, um novo encontro nas portas do céu…