Artigo

Nos calaram por 2000 anos

Estou utilizando a fala da Ministra Carmem Lúcia para um desabafo. A Ministra indica um período histórico, o meu se refere ao tempo de vida, e do azar das mulheres que, além de não terem o direito de falar, são vítimas de gente dando “pitaco” em suas vidas.

Por: Marilene Depes em 21 de outubro de 2025

Estou utilizando a fala da Ministra Carmem Lúcia para um desabafo. A Ministra indica um período histórico, o meu se refere ao tempo de vida, e do azar das mulheres que, além de não terem o direito de falar, são vítimas de gente dando “pitaco” em suas vidas. Às vezes posso até brincar sugerindo coisas, mas tenho me policiado porque entendo com clareza que, a vida do outro e suas decisões só a ele pertence, e que só se dá opinião a quem solicita.
As mulheres sofrem outro tipo de constrangimento, tem sempre gente cobrando ou tentando convencê-las. Na minha juventude mulher só podia ser professora, não podia ter amizade masculina para não ficar “falada”, tinha que ser recatada, e as mães as encaminhavam para aprendizados estritamente femininos, corte e costura, arte culinária e bordado – não dei certo em nada, o que até causava constrangimento familiar. Eu era a pessoa menos indicada para seguir o destino pré-concebido para todas as mulheres. Felizmente encontrei quem me acolheu, se apaixonou e nunca me cobrou essas habilidades.
Com o namoro surgem outras cobranças: Quando vão ficar noivos? Marcaram o casamento? Já encomendaram os filhos? Se a primeira era uma menina, e quando vem o segundo, o herdeiro do pai? Filho único causa trauma. Casada e estudando? Lugar de mulher casada é dentro de casa e não trabalhando fora, seu marido e filhos devem ser sua prioridade. Quando vai aposentar? Por que tantas atividades além do trabalho? Não fale da sua vida, cuidado com o olho gordo!
É feito heroico conseguir sobreviver e chegar aos oitenta com lucidez, saúde, trabalhando e repleta de atividades. E acompanhada de um atropelo de sugestões: Dirigir carros é perigoso, viajar só com assistência geriátrica, morar em casa grande corre risco, trabalhar para quê, você não precisa! Querem impor o abandono de todas as atividades, mesmo que estas preencham a vida de propósito e alegria. Cada pessoa sabe a seu tempo e a idade cronológica nem sempre é linear, julgar um idoso incapaz por conta da idade é etarismo. Se já nos calaram por 2.000 anos, dê-nos hoje, por favor, o direito de conduzirmos a própria vida, pelo menos no tempo que nos resta. A idade não limita ninguém, o preconceito sim.