Artigo

Nossas coisas

O dilema retorna e incomoda como uma paixão não resolvida. São as coisas da vida. Habitam espaços que não dominamos. Existem simplesmente. Podemos adquirir coisas, coisas materiais.

Por: Sergio Damião em 17 de maio de 2021

O dilema retorna e incomoda como uma paixão não resolvida. São as coisas da vida. Habitam espaços que não dominamos. Existem simplesmente. Podemos adquirir coisas, coisas materiais. Mas, nas coisas da mente e da alma nos confundimos. Clarice prepara a pergunta e quando escapa a melhor palavra ou falta palavra, a resposta é: essa é a coisa. Clarice descreve e cria Sveglia como significado de: acorda. Ela questiona Deus, acorda para o quê? Ela mesma responde, para o instante, para a hora, para o tempo. Em seu vai e vem de palavras, não define a coisa, devolve a questão a Deus e fecha a Epifania. Para nossa poetisa Adélia Prado: Aquilo que a memória ama fica eterno. Portanto, a coisa pode ser a lembrança. A boa lembrança. Aquilo que a memória guardou ou recebeu como herança genética. Para Rubem Alves, nosso professor: O espiritual é um espaço dentro do corpo onde coisas que não existem, existem. Assim, as coisas permanecem ocultas. Revelam-se aos poucos, lentamente, com os sentimentos. A coisa pode ser o desejo, a busca da essência humana. Ela transcende a vida diária, o cotidiano. A coisa é pessoal, depende do instante, do momento, da intensidade do sentir, depende de nós mesmos. A coisa pode ser simples, infantil, alegre ou triste, pode dominar o corpo, a mente, pode apagar as luzes dos olhos e a razão. A coisa pode criar ilusões, desencadear paixões. Pode ser passageira ou definitiva. A coisa pode se alastrar e tornar-se coletiva. Pode se alastrar pelo bairro, cidade, país ou pelo mundo afora. Com diz Clarice, a coisa não se define. Simplesmente é. Para o nosso cronista, Rubem Braga, só existem as Boas coisas na vida e devemos aproveitá-las. Quem sabe um doce, uma goiabada com queijo… Eu fico, neste mês de maio, mês das mães, com as palavras da poetisa Adélia, fico com a lembrança, lembranças da minha mãe, em minha infância. Lembro o caderno de caligrafia, das pinturas em caderno de desenho, dos cuidados em dente dolorido e cariado, das fantasias, do Aladim e a lâmpada mágica, do Pierrô apaixonado, da barriga do Baiacu e de muitas outras coisas. Estas pequenas coisas, tão simples, por um momento, afastam as outras coisas que se tornaram grandes, e assustadoras, com o passar dos anos.