Artigo

O rio, o bêbado e o louco

Começou o outono, as águas do rio Itapemirim nesta estação tornam-se límpidas, desaparece o teor barrento. Ao redor do seu leito uma leve brisa, um frescor aliviador e o sol aconchegante de encontro ao corpo.

Por: Sergio Damião em 5 de abril de 2021

Começou o outono, as águas do rio Itapemirim nesta estação tornam-se límpidas, desaparece o teor barrento. Ao redor do seu leito uma leve brisa, um frescor aliviador e o sol aconchegante de encontro ao corpo. O leito preenchido, fruto das cheias do verão, completa a beleza do rio. Procuro o Itapemirim a partir da Ponte de Ferro, ele segue cortando a cidade e eu em direção à Ilha da Luz. A cidade nasceu do rio, vive em função do seu rio, o rio é seu passado e dele depende seu futuro. É verdade que nesta pandemia do SARS CoV-2 (Covid-19), com a máscara em face e álcool em gel em mãos está difícil de caminhar e admirar as belezas do rio. Ainda assim, ficamos atentos ao rio, pessoas e tudo aquilo que importa à cidade. O bêbado encontrava-se logo abaixo da ponte. Os transeuntes apenas observavam e nada comentavam. Ele permanecia deitado, em sono profundo, aparentemente tranquilo. Invejei a tranquilidade do deitar. A agitação do meu sono noturno deixara marcas nos lençóis. Logo despertei do sentimento, ao perceber o concreto frio, duro e sujo sob o corpo. Segui em minha andança, segui indiferente, como o restante das pessoas, e assim, também, seguiu o rio. Virei o rosto em direção à Praça de Fátima, um homem forte e alto se destaca, logo percebo que falava em alto e bom som, gesticulava bastante, mesmo com o silêncio do rio e os poucos carros pela Avenida, as palavras soavam sem nexo, nada entendia. Seguimos em direções opostas. Busquei o entendimento das coisas, um raciocínio lógico, e ele seguiu seu destino, seguiu a mesma direção do rio, em busca do mar. De tudo que vi naquele início de manhã, em um domingo de outono, o que mais me incomodou foi a visão do louco, o solitário alienado. O rio seguia uma direção, parecia indiferente e assim permaneceria. Eu o veria outras vezes, poderia vê-lo de outra forma, dependeria do dia, das chuvas, eu poderia escolher; o ébrio, quando retornei, ele não se encontrava mais, podia estar em algum beco, esquina ou algum bar de nossa cidade, ou quem sabe, em alguma sala dos Alcoólicos Anônimos (AA) e salvo socialmente, depende dele mesmo. Mas, o louco seguirá com a mente vazia, um andarilho em meio à cidade. Seguirá com gestos e palavras desajustadas e ao vento.