Cotidiano

Reminiscências

No sítio se plantava e colhia café, para consumo e venda, feijão que era trocado por arroz; havia muita criação, galinhas, patos, perus e ovos.

Por: Marilene Depes em 25 de outubro de 2020

Falando da minha infância e do fato de só usufruirmos de energia elétrica quando viemos para a cidade, meu neto questionou: – Como os alimentos eram conservados? Os alimentos não eram conservados, simplesmente nossa mãe ia na horta e voltava trazendo o que seria preparado na refeição. Fora da casa havia um depósito que era chamado de tulha, onde ficavam guardados os sacos dos mantimentos produzidos na roça, feijão, milho, mandioca, batata, e muitos cachos de bananas pendurados. No sítio se plantava e colhia café, para consumo e venda, feijão que era trocado por arroz; havia muita criação, galinhas, patos, perus e ovos. Também se produzia mel e farinhas de mandioca e araruta. O trigo não sei como chegava em nossa casa, talvez fosse comprado nas vendas, que ofereciam seus produtos dentro de sacos e eram acondicionados em embornais. O dinheiro que entrava era escasso e resultado do leite que era enviado ao laticínio.
Minha mãe produzia queijos, torrava e moía o café, fazia o macarrão e a broa; pão era produto raro, passava um padeiro quinzenalmente, e eu ganhava uns pães doces em forma de bichinhos, que por pena de comer escondia na gaveta de roupas e os encontrava roídos. A polenta substituía o pão e era consumida em todas as refeições, aliás cozida todos os dias e durante horas no fogão à lenha. Nossa casa ficava longe do povoado e o isolamento era total, quando chegava algum vendedor de tecidos, padeiro ou livreiro, era motivo de algazarra. As roupas eram costuradas por minha mãe, nem sei como ela tinha tempo para tantos afazeres, já que não havia nem água encanada, esta vinha de uma cacimba longe da casa. A carne mais consumida era de porco, estes criados no sítio e alimentados com bananas verdes e inhame cozidos num tacho enorme, e eu, às vezes, partilhava da comida deles. A carne do porco era frita e guardada em latas e dentro da própria banha e com ela se faziam as frituras. Produzia-se tambem linguiças, chouriços e codiguins no dia da matança. Carne de boi só quando alguma vaca descuidada caía num mata-burro e tinha que ser sacrificada.
Como não havia eletricidade, as notícias chegavam através do rádio à pilha e tínhamos uma radiola tocada por manivela. À noite acendia-se lamparinas e lampiões, cujo combustível era o querosene com cheiro fortíssimo. E quem se atrevia a ler ou fazer algum bordado ou costura amanhecia sempre com os cílios e franjas chamuscados. Na verdade, tenho saudade do sítio dos meus pais, deles, das árvores frutíferas que eram inúmeras, mas sem saudosismo.