Tecnologia
Startup cria celular sem WhatsApp, Instagram ou pesquisas no Google
A proposta da startup americana Light Phone em pleno 2020, é deixar o smart do phone para trás — e focar somente nas principais funções que um celular deveria ter, segundo os criadores. E mesmo tendo conexão Wi-Fi, é impossível fazer pesquisas em navegadores mobile.
Por: Redação em 19 de setembro de 2020
Na era dos smartphones que fazem quase tudo e têm milhares de aplicativos disponíveis (de redes sociais a monitores da saúde), é difícil imaginar que um aparelho sem nenhum desses itens fosse sequer ter espaço no mercado. E pode até parecer coisa dos anos 2000, quando os celulares apenas enviavam mensagens, faziam ligações e, no máximo, tinham o famoso jogo Snake instalado — mas não é. A proposta da startup americana Light Phone em pleno 2020, é deixar o smart do phone para trás — e focar somente nas principais funções que um celular deveria ter, segundo os criadores. E mesmo tendo conexão Wi-Fi, é impossível fazer pesquisas em navegadores mobile.
À primeira vista o celular da Light Phone se parece uma mistura de Kindle (leitor eletrônico da Amazon) em miniatura, uma vez que usa a mesma tecnologia que imita papel que o e-reader, com um MP4, mas por dentro ele carrega muito mais do que isso. Com ele o usuário consegue ouvir músicas, enviar mensagens, fazer contas, conferir o horário, agendar alarmes, fazer ligações. Mas outros recursos, como tirar fotos e gravar vídeos, não são possíveis no celular que tem como objetivo um detox grande de redes sociais e do consumo de dados que elas têm sobre os usuários. A nova-velha tecnologia já caiu no gosto de alguns famosos, como o jovem rapper americano Dominic Fike, que publicou em seu perfil no Instagram (ironicamente) que havia adquirido o telefone.
Em entrevista à EXAME, Kaiwei Tang, um dos fundadores da empresa, afirma que a ideia do Light Phone não é fazer o consumidor abandonar totalmente o seu smartphone, mas sim servir de alternativa para períodos de descanso. “Metade dos nossos usuários usam o iPhone como seus celulares secundários e tentam usar os dois celulares ao mesmo tempo. Eles não abandonam um ou outro”, diz Tang, em conversa por telefone. “O smartphone é bom para muitas coisas, como videochamadas, buscar coisas na internet, para trabalhar, mas é difícil desconectar deles. No sábado de manhã eu só quero ouvir música e, no máximo, receber ligações”, afirma. “Não somos contra a tecnologia, somos contra o modelo de negócios por trás dos aplicativos e das redes sociais, que fazem com que seus usuários gastem muito tempo dentro dos aplicativos para vender os dados para outras pessoas.”
Para Tang, comprar um Light Phone não é a mesma coisa que investir em um Nokia “tijolão” ou em modelos mais antigos por uma simples questão: os mais velhos têm apenas compatibilidade com a quase falecida rede 2G, enquanto o celular da marca está disponível com a tecnologia 4G — sem planos, ainda, para um futuro da 5ª geração. “Outro ponto é que os celulares antigos são pesados e ninguém os usa mais. Não é uma opção válida, na minha opinião. Estamos criando um celular que é moderno e oferece funções modernas, que já estamos acostumados, e que não tem nenhum anúncio, ou cor, ou animação, ou uma tela gigante. No fim, é só uma ferramenta útil”, garante.
Somente no ano de 2019, 1,5 bilhão de celulares foram vendidos globalmente, segundo a consultoria americana Gartner. E Tang não está de todo errado ao afirmar que “as redes sociais causam no nosso cérebro um vício que é quase como um vício em álcool ou drogas”. Segundo pesquisas recentes, o risco de acidentes no trânsito aumenta de 3 a 4 vezes quando o usuário está distraído por um celular, e o uso excessivo das redes sociais pode causar, entre outras coisas, depressão, ansiedade, além de poder distrair as pessoas a ponto de causar acidentes graves. “Queremos que nosso cliente gaste tempo de qualidade com a sua família e seus amigos, que não leve um mini computador para correr ou para um parque com as crianças. Então criamos um celular que é um celular — e só isso”, diz Tang.
O Light Phone II (versão mais recente do celular) custa 299 dólares, cerca de 1.792 reais na cotação atual, e está disponível em duas cores (preto e cinza claro). Para os brasileiros, é possível comprar uma opção internacional compatível com chips das operadoras Vivo, Claro, TIM, mas não com chips da Oi. O idioma do celular está disponível somente em inglês. Além disso, ele mede cerca de 9 centímetros de altura, bem compacto se comparado com outros celulares. E até para isso tem justificativa: a ideia era fazer um dispositivo do tamanho de um cartão de crédito, fácil para carregar no bolso da calça.
A primeira versão do celular, no entanto, só fazia ligações — algo que os usuários reclamavam. Segundo Tang, várias pessoas falavam “apenas comprarei um Light Phone quando ele tiver essa ou aquela função”. “Então pensamos: é uma distração ter uma calculadora? É uma distração mandar mensagens? Ouvir música? Foi aí que adicionamos essas ferramentas necessárias”, diz o fundador.
Um feedback que os fundadores não esperavam é que o dispositivo é uma boa opção de primeiro celular para crianças. “Não era o que eu imaginava. Essa é uma surpresa interessante para a gente. Escolas e organizações de pais conversaram com a gente para enviar nossos celulares para nossas crianças e estudantes, porque eles não têm um navegador, nem redes sociais e nem fotos, o que, para eles, é uma boa ideia de um primeiro celular para crianças. É maravilhoso que não enxergamos isso antes”, afirma.
Para passar músicas para o celular basta utilizar um código que é enviado no momento da compra para o usuário em seu computador e sincronizar a sua biblioteca ou playlist ideal. O dispositivo tem cerca de 1 gigabyte de memória — o que pode parecer pouco, mas vai de acordo com a linha de “menos é mais” que o Light Phone tem.
Tang não é contra a tecnologia — pelo contrário. Ele e o cofundador do Light Phone, Joe Hollier, se conheceram em um programa experimental do Google em 2014. Foi lá que eles foram desafiados a fazer aplicativos para smartphones e aprenderam mais sobre como os produtos eram feitos e fundados. “Reparamos que era o que menos queríamos. Todo mundo fala de engajamento, de métricas. Companhias se gabam sobre o tempo em que as pessoas passam usando seus aplicativos e a ideia é, que quanto mais tempo a pessoa usa o app, mais sucesso você tem, e que quanto mais anúncios, mais dados você tem para fazer dinheiro”, diz. “Eu entendo esse modelo. Mas, ao mesmo tempo, milhões de apps fazem a mesma coisa, e não é justo”, diz Tang. Em 2015 a ideia da empresa já estava desenhada. Em 2016 eles lançaram o primeiro modelo do celular. O segundo veio em 2018. De lá para cá, segundo o cofundador da companhia, o lucro está entre “3 e 6 milhões de dólares” e “dezenas de milhares” de celulares foram vendidos até o momento neste ano — números mais específicos não são abertos pela empresa.
Em 2019, o Light Phone II foi eleito pela revista americana Time como uma das melhores invenções do ano. Na definição do produto, a revista afirmou que ele era uma boa opção “para aqueles que acreditam que o tempo gasto na frente de telas estava fazendo mais mal do que bem” e que a companhia “oferecia um celular com apenas o essencial”.
E é exatamente isso que eles querem. O próximo passo da companhia é disponibilizar ainda mais ferramentas úteis em seus celulares, como um GPS, um gravador de voz, um calendário, algo parecido com o Uber e um aplicativo capaz de prever o clima. “Todo mundo tem uma percepção diferente sobre o que é essencial. O cenário ideal é ter mais ferramentas que cubram a lista de essenciais das pessoas para que elas consigam deixar os smartphones cada vez mais de lado”, diz.
Na onda de maionese que não é maionese, sorvete que não é sorvete, e do minimalismo, o Light Phone surge como um celular que… é um pouco de tudo — menos um smartphone.
Fonte: Exame