Artigo
Tarde chuvosa
Avistei a cobertura do ponto de ônibus logo à frente, e após breve hesitação, resolvi prosseguir. Ele, o rio, nos leva a isso, seguir em frente, é o seu destino, sua sina, não nos deixa recuar.
Por: Sergio Damião em 7 de junho de 2021
Tempos atrás, desci o morro do Gilberto Machado em direção à beira do rio Itapemirim. Tão logo alcancei a Ponte de Ferro, no centro da cidade, uma chuva fina se apresentou. Pensei em retornar ao apartamento ou um abrigo qualquer. Avistei a cobertura do ponto de ônibus logo à frente, e após breve hesitação, resolvi prosseguir. Ele, o rio, nos leva a isso, seguir em frente, é o seu destino, sua sina, não nos deixa recuar. Segui em direção contrária, segui em direção à Ilha da Luz; ele, em direção ao mar. Após alguns metros, as gotas das águas que desciam das nuvens intensificaram-se, encharcando meu corpo, preenchiam meus olhos, turvavam minha visão como lágrimas em momentos de êxtases. Era um dia após o de São Pedro, e acho que ele, por eu não ter permanecido na cidade, me testava. Na calçada da beira do Itapemirim apresentavam-se poucos transeuntes, naquela tarde poucos se aventuravam. A chuva afastava as pessoas. Eu, ao longe, tinha como companhia a garça e o mergulhão. No corpo, as roupas molhadas; na mente, as dúvidas; perguntas diversas de uma vida toda – passado e presente. A chuva, diferente do sol, nos faz sair da inércia quando incomoda de imediato, muda temperatura do corpo e altera emoções. Mas: era aquela chuva; outras chuvas, em um lugar distante de Cachoeiro, não tiveram o mesmo efeito. Cachoeiro me leva a pensar. Talvez, pela presença das coisas conhecidas à minha volta ou pela intimidade com as águas do seu rio. Enquanto pensava, a chuva acariciava minha face, meu corpo, preenchia o leito do rio e gradativamente emoldurava o Itapemirim. No domingo, bem cedo, o frescor do sol, sua claridade e luminosidade, se apresentaram no céu de Cachoeiro. O rio mais encachoeirado, límpido, com ruídos fortes e sons inebriantes, festejava os seus pescadores. Ele exibia a brancura das garças e os mergulhões garantiam a pureza das suas águas. Voltei aos passos pela calçada, carregava as dúvidas do dia anterior. No domingo de tempos atrás, e no último final de semana, em meio à pandemia, no retorno de São Paulo, com a mente carregada de saudades do neto Bernardo, apenas apreciei o nosso rio e deixei as respostas para uma próxima chuva.