Artigo

Uma flor seca

Dos muitos transtornos do ser humano durante sua vida, o transtorno mental chama a atenção. A doença mental mudou de perfil nas últimas décadas, avolumam-se os casos de dependentes químicos (drogas ilícitas e álcool), bem como as depressões severas.

Por: Sergio Damião em 31 de outubro de 2022

Dos muitos transtornos do ser humano durante sua vida, o transtorno mental chama a atenção. A doença mental mudou de perfil nas últimas décadas, avolumam-se os casos de dependentes químicos (drogas ilícitas e álcool), bem como as depressões severas. Participar da vida das pessoas com mudanças de comportamento, internados ou não em hospitais psiquiátricos, nos leva a pensar. Pensar nos fatores que levam a transformação. Mudanças graves desencadeando a perda da noção do espaço e tempo. Ficam insensíveis à dor física. Apresentam viagens cerebrais longas e inexistentes. Atentam contra a própria vida, o corpo como instrumento de desejo e satisfação deixa de existir. O instinto de sobrevivência humana desaparece. Entendemos a preocupação com a doença clínica (cirurgia da vesícula, da próstata, do pulmão, do rim…). Nada mais justo e necessário. Mas, devemos lembrar o conceito de saúde: “Um completo bem estar físico, mental, social e espiritual”. Possuímos a cultura do tratamento da doença: a medicina da racionalidade e cartesiana. A imagem do corpo humano como uma máquina e dividida em várias partes como uma engrenagem mecânica. Esquecemos a harmonia física e mental. Com isso criamos várias fábricas de doentes em nossa sociedade. Só diminuiremos as fábricas maléficas das doenças com a promoção da saúde no completo bem estar social, físico e espiritual. Necessitamos da prevenção da doença mental em todos os sentidos. No sul do estado capixaba estamos carentes de Centros de Apoio Psicossocial (CAPS). Na nossa região sul encontram-se bons profissionais na área de saúde mental (psiquiatras, terapeuta ocupacional, assistente social, enfermagem, professor de educação física, psicólogos) todos experientes. Devemos ampliar o atendimento psiquiátrico ambulatorial em cada município sulino, criar CAPS específicos para álcool e drogas, incentivar a criação pelo estado e municípios da Residência Terapêutica (pacientes sem indicação da internação hospitalar, mas necessitando da equipe multidisciplinar). Estamos carentes de locais públicos para atendimento e acompanhamento dos jovens com dependência às drogas ilícitas, hospitais psiquiátricos não são locais adequados para receber esses jovens.
Tempos atrás, em hospital psiquiátrico, um paciente me ofereceu um folha seca, pelo aspecto lembrava uma pequena flor de uma das árvores do nosocômio, a chuva e o sol devem ter moldado a sua forma. Mesmo não entendendo a razão da doação, guardei no bolso da camisa. Mais para evitar uma reação explosiva, caso desprezasse o presente, pois, conhecia seu passado de violência. Passei a observar a maneira de agir do paciente nos dias que se seguiram. Gradativamente tornava-se mais sociável, sentava-se ao banco do jardim com o restante dos internos, acolhia as visitas familiares e dias depois obteve alta do hospital. Não sei se, ao receber a flor seca pelo sol, despertei coisas boas de seu interior. Só sei que me senti alegre por imaginar que, o acolhimento, foi parte da responsabilidade pela melhora. Racionalmente existe a certeza que a melhora ocorreu pela mudança da medicação psiquiátrica. Isto, pouco importa.