Crônicas

Uma história de vida, Maria Laurinda

Num tempo de valores invertidos, em que o grande mérito é estar na mídia vinte e quatro horas por dia, apresentarei uma heroína e minha “influencer” pessoal.

Por: Marilene Depes em 17 de maio de 2022

Num tempo de valores invertidos, em que o grande mérito é estar na mídia vinte e quatro horas por dia, apresentarei uma heroína e minha “influencer” pessoal. Seu nome é Maria Laurinda Adão, uma preta enorme, forte como um tronco frondoso, linda, que se veste com o colorido que herdou de sua raça, quilombola e residente em Monte Alegre, um quilombo que fica em Pacotuba.

Conheci Maria Laurinda quando secretária da Prefeitura e nas reuniões da União Cachoeirense de Mulheres, o primeiro grupo feminista em que participei. As reuniões aconteciam à noite, e ela, que sofrera violência, retornava de ônibus, sendo que a estrada principal que dá acesso para Burarama, fica distante de onde ela mora, e o trajeto passa por uma mata, o que ela enfrentava à noite e sozinha. Muitas vezes me procurou na Prefeitura para pedir benefícios para sua comunidade, uma verdadeira líder.
O amigo acadêmico Wilson Marcio Depes que a incluirá no seu terceiro volume do livro “ Fotocrônicas”, me forneceu dados que merecem destaque, ela é Mestra de Caxambu, parteira, coveira, mãe de santo e líder comunitária. Já foi homenageada com uma exposição de fotos denominada “Todas as faces de Maria”.

Maria Laurinda é uma guardiã da cultura afro e manteve sua identidade mesmo quando parte da sua família converteu-se a igrejas evangélicas, que condenam as tradições do seu povo de origem. Ela já percorreu o Brasil e até o exterior difundindo sua cultura e liderando o tradicional “Raiar da Liberdade”, além de sua participação nas conferências de direitos das mulheres pelo Brasil afora.

Encontrei Maria Laurinda recentemente na Conferência das Mulheres e me sensibilizei com seu depoimento de que está estudando para se alfabetizar, numa idade que imagino beirando aos oitenta. Enquanto ela falava percebi uma certa desatenção do grupo, pedi a palavra e expus um pouco do que sabia de Maria e não contive as lágrimas de emoção. Mas fiquei com a sensação de que fizera pouco diante da sua grandeza. E detectei minha falha, no momento que uma jovem negra questionou porque numa Conferência em que se discutiam os direitos igualitários das mulheres, na mesa principal não havia nenhuma preta, eu poderia ter-me levantado e declarado que Maria Laurinda deveria sentar-se à mesa e representar a todas nós, pela trajetória de vida que a faz merecer admiração e respeito.