Comportamento

Você busca uma casa perfeita? Tome cuidado com a dismorfia doméstica!

Quando se torna uma idealização elevada demais, corre o perigo de se tornar dismorfia doméstica, um termo derivado de body dysmorphic (dismorfia corporal), um transtorno que afeta a percepção da própria aparência física.

Por: Redação em 24 de março de 2023

 

Uma casa perfeita, com ambientes impecáveis, é uma busca de muitos e pode ser saudável em certa medida, afinal todos queremos viver da melhor maneira possível. Porém, quando se torna uma idealização elevada demais, corre o perigo de se tornar dismorfia doméstica, um termo derivado de body dysmorphic (dismorfia corporal), um transtorno que afeta a percepção da própria aparência física, tornando-se uma preocupação exagerada.

“O termo segue no tensionamento entre idealização e realidade. Com a estetização do mundo e o atravessamento do capitalismo estético, nossa expectativa sobre corpos, objetos, ambientes e casas, por exemplo, ficou muito elevada em relação a um certo padrão de embelezamento”, explica a semioticista Clotilde Perez, professora da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e colunista de Casa e Jardim.

Não deveríamos, no entanto, ser tão duros com nós mesmos, como afirmou a designer de interiores Breegan Jane, apresentadora de TV e empresária em Los Angeles, em um artigo publicado no site Homes & Gardens. “Assim como costumávamos nos comparar, ou ainda nos comparamos, mas ficamos um pouco melhores em saber que a supermodelo na capa da revista não é uma projeção realista do que você deveria almejar com seu corpo”, diz.

O arquiteto Allan Cacicedo, especializado em neuro-arquitetura, concorda e ainda conta sua experiência como profissional. “A comparação vinha dos feeds com ambientes impecáveis postados por outros colegas de profissão nas redes sociais, o que fazia me questionar profissionalmente. Minha chave virou quando fiz uma mentoria de produção fotográfica para ambientes e entendi que, por trás das fotos e vídeos, acontece uma grande produção, tal qual nos editoriais de moda”, conta. O que não é ruim, já que os trabalhos servem de referência e precisam ter cuidado estético e organização.

A casa como ela é
Há, no entanto, outro lado que precisa ser considerado. Quando pensamos em nossas casas, isso pressupõe um habitar que envolve relações e afetos entre pessoas e as espécies (animais de estimação e plantas, por exemplo), como também a apropriação dos espaços e da cultura material, utensílios práticos, objetos de decoração e mobiliário.

“Nesses manejos e apropriações, a idealização se esvai. Os pets fazem bagunça, coco e xixi e nada disso aparece no universo imagético das mídias, por exemplo. As plantas têm pulgões, parasitas e envelhecem. As cozinhas exibem o resultado do que ali é preparado”, exemplifica Clotilde. E está tudo bem.

O importante, segundo Breegan, é ser realista e prático quando se trata de nossas casas. “Seja organizando o guarda-roupa, seja o armário de banheiro, guardar nossos pertences da maneira que nos convêm e como vivemos é muito mais importante do que a estética”, analisa ela. Para Allan, a organização é um processo muito importante no cotidiano, mas o seu propósito é fazer com que a casa sirva ao morador e jamais deve fazer com que habitante se torne um “escravo” dela. “Em algum momento ela desandará [a casa] e está tudo certo”, diz o arquiteto.

O confinamento decorrente da pandemia da Covid-19, como pontua Clotilde, contribuiu muito para a aceitação da casa como ambiência viva, que demanda organização e beleza, mas não precisa ser perfeita. “O humano é imperfeito, seu corpo e sua casa também. O sentido está justamente nas diferenças e não nas igualdades. A imperfeição – frente a um padrão – é constitutiva da nossa singularidade como corpos e espaços”, observa a semioticista.

Para não cair na armadilha
É preciso pensar a casa além da estética, apesar de ser um requisito importante na construção de um projeto. Nesse sentido, algumas precauções podem evitar a armadilha da dismorfia doméstica. Confira as dicas dos profissionais:

Não compare a sua casa com a de outras pessoas
O primeiro passo para começar a amar a sua casa é parar de comparar com a de outras pessoas. Compreenda que cada lar é o reflexo da vida de quem a habita. “É um espaço que te faz único no mundo. Portanto, deve ser cheio de personalidade, realidade e afeto”, sugere Allan.

Analise as qualidades da sua casa
Responda rápido: dez qualidades da sua própria casa. Difícil? Esse é um exercício complicado, pois parece que quando se trata da nossa casa, a grama do vizinho parece ser sempre mais verde. Então, para que você possa gostar ainda mais do seu lar, o arquiteto recomenda que analise as qualidades e passe a valorizá-las! Afinal, qual o sentido em enxergar as qualidades dos lares alheios e não conseguir fazer o mesmo com o próprio?

“Naturalize” a organização
Se a organização é importante para você, a dica de Allan para uma manutenção duradoura é nunca sair de ambiente para outro com as mãos vazias. Dessa forma, é possível manter a organização da casa como um processo natural, que não toma tempo extra na rotina do dia a dia.

Olhe, literalmente, para dentro de sua casa
Para Breegan, um erro comum é focar no resultado durante a organização, quando, na verdade, todo o trabalho está no processo. Pense, portanto, em como é usado o espaço que está organizando, quais elementos funcionam e os que podem ser melhorados. “Em última análise, preocupe-se menos em deixar tudo perfeito, porque as chances são de que sejam falhas que ninguém mais perceba”, afirma ela.

 

Fonte: Você busca uma casa perfeita? Tome cuidado com a dismorfia doméstica! | Comportamento | Casa e Jardim (globo.com)