Crônicas

Esperança

Dez horas. Com dificuldade lembrava onde se encontrava: hospital psiquiátrico. Só não sabia o tempo de internação. O tempo era algo não mais cronometrado, simplesmente transcorria.

Por: Sergio Damião em 27 de setembro de 2021

Dez horas. Com dificuldade lembrava onde se encontrava: hospital psiquiátrico. Só não sabia o tempo de internação. O tempo era algo não mais cronometrado, simplesmente transcorria. Nem sempre fora assim. Lembrava vagamente da adolescência. A mãe o acordava antes das sete horas. A escola era seu destino. Tempos depois, sem um motivo aparente, trocava a escola por um trabalho temporário. A rua era sua moradia desde a primeira pedra. Após a pedra um dependente químico – necessitava de ajuda constante para manter distância das drogas. Sua primeira pedra (crack) foi o caminho para a perda do controle dos seus desejos. A vontade de cheirar era mandatória, imensa, angustiante… No silêncio dos corredores do hospital recorda: tudo começa no cigarro e álcool das baladas com os colegas da escola e das ruas, logo experimenta maconha, cocaína e por último o crack. No início, uma pedra barata e um prazer imenso. Uma sensação diferente, um sentimento nunca alcançado. Com o uso, crescia o desejo, não tinha forças para recusar. Desejava cheirar cada vez mais. Não conseguia dizer não. A ordem era cerebral, muscular, da pele, de todo o corpo, algo intenso, avassalador. A razão – raciocínio lógico, o certo ou errado – desaparecera a longo tempo atrás. Restara um ser que não mais comandava suas vontades. Com o uso diário das pedras já não conseguia manter o vício, o dinheiro não era o bastante. No começo, sem muito entender, a mãe ajudava. Com o passar dos meses e, o gasto excessivo, ela já não conseguia. Realizava pequenos furtos, coisas pequenas da sua casa e da residência de conhecidos. No primeiro furto um constrangimento, posteriormente, não mais se importava. Enquanto relatava a história dos seus vinte anos de vida, jurava para todos e para ele mesmo que, ao obter alta hospitalar, permaneceria livre das drogas. Esquecia de lembrar que nos registros do hospital, outras juras foram prestadas. Assim, entre internações e retorno ao vício, perdera sua adolescência. Uma agonia que nunca deveria ter começado. Uma história semelhante à de muitos outros jovens. Desejava retornar ao tempo da escola; desejava uma profissão para sua vida. Antes, precisava conquistar a confiança daqueles que o amavam. Ainda restava a esperança.