Crônicas

Indiferença

Muitos são os sentimentos humanos. Em nossas vidas, na maioria das vezes, nos momentos importantes, somos movidos pelas emoções. Porem, o pior dos sentimentos é a ausência dele: ser indiferente nas relações humanas.

Por: Sergio Damião em 18 de janeiro de 2021

Muitos são os sentimentos humanos. Em nossas vidas, na maioria das vezes, nos momentos importantes, somos movidos pelas emoções. Porem, o pior dos sentimentos é a ausência dele: ser indiferente nas relações humanas. É o instante vazio. Do outro, da pessoa à nossa frente, ou ao lado, nada importa, nada significa. A ausência do olhar denuncia a falta de tudo. A indiferença acontece quando abandonamos os dependentes de cuidados físicos e emocionais. Algo que vale para todos: refugiados pelo mundo afora; mulheres ameaçadas pelo feminicídio; vitimas de preconceitos raciais; crianças… Tempos atrás, estava em hospital psiquiátrico, fui abordado por familiares, solicitavam vaga para internação. Ao avaliar a paciente fiquei surpreso, e triste, pelo estado em que se encontrava. Péssimo estado de higiene: pediculose e escabiose. Como necessitava de imediatos cuidados de higiene e antibioticoterapia, decidimos pela internação. Dias depois, a paciente encontrava-se em melhores condições, ainda alternava lucidez com palavras confusas. Relatava maus tratos em sua residência. Pelo estado de confusão mental algo difícil de precisar. A família da paciente parecia resumir-se ao filho. Ele não aparentava comportamento para a agressividade. Sugeria um caso de indiferença, um abandono, menos de maus tratos. Considerando maus tratos como agressividade física. Naquele momento, lembrei Camus. Albert Camus, argelino, radicado em Paris por volta da segunda Guerra Mundial, ganhador de Premio Nobel de Literatura, escreveu “O Estrangeiro”, um clássico da literatura mundial. No livro, descreve um jovem, residia sozinho após desavenças com a mãe. Tempos depois, recebe noticia do falecimento materno. Retorna à cidade natal. No funeral e velório é observado por todos. Nenhum sentimento demonstra. Nem mesmo uma lágrima produz. Meses se passam, relaciona-se com uma bela jovem, envolve-se em uma discussão e mata um dos agressores. Legitima defesa, argumenta. Na investigação policial sua história de família é lembrada. A ausência de sentimento para com a mãe, o abandono da mãe, a indiferença no funeral. O absurdo da vida humana. Como acreditar na legitima defesa se nenhum sentimento demonstrara pela própria mãe.