Crônicas

Mais do mesmo…

As palavras respiram. Não ficam entubadas. Semana Santa. Lembro-me que meu avô materno, que era mineiro, quando a coisa ficava difícil, ia buscar consolo – e explicação – nas páginas de Guimarães Rosa, que também era mineiro e o cara mais supersticioso do mundo.

Por: Wilson Márcio Depes em 5 de abril de 2021

 

As palavras respiram. Não ficam entubadas. Semana Santa. Lembro-me que meu avô materno, que era mineiro, quando a coisa ficava difícil, ia buscar consolo – e explicação – nas páginas de Guimarães Rosa, que também era mineiro e o cara mais supersticioso do mundo. O velho Alonso, meu avô, depois de ler, me colocava ao seu lado para receber as lições. Devia ter uns cinco anos. Contrito – lembro-me como se fosse hoje -, passava as mãos nas páginas do livro, e repetia: “Deus nos dá pessoas e coisas, / para aprendermos a alegria…/ Depois, retoma coisas e pessoas/ para ver se já somos capazes da alegria/ sozinhos…/ Essa… a alegria que ele quer”. Depois de alguns segundos, fitava-me longamente. Aí inquiria: “Entendeu?”. Placidamente dizia que sim. Sem qualquer descanso, voltava às lições: “O correr da vida embrulha tudo. / A vida é assim: esquenta e esfria, / aperta e daí afrouxa, / sossega e depois desinquieta. / O que ela quer da gente é coragem.”.

Meu avô, com seus passos largos, magro, ossudo, muito parecido com Drummond, tem vindo à minha lembrança com muita insistência nesses tempos tão terrivelmente angustiantes. Cada notícia que recebo, olha o velho lá, sentado em sua cadeira de palhinha, a repetir: “o que Deus quer da gente é coragem”. Tenho tentado passar essas mensagens aos meus amigos. E pra mim mesmo. Mas não tem sido fácil. Vira e mexe, recebo uma notícia que alguém está entubado, que um amigo morreu, que o outro não conseguiu tomar vacina, que mais um perdeu emprego, que o outro foi assaltado, que não tem vaga nos hospitais, que está faltando vacina, que “o meu pai não quer tomar vacina porque dizem que ele vai ficar impotente.” E por aí vai …

Tenho vontade de chamar meu avô, em algum lugar. Um pouco por medo, outro tanto para dizer que não perdi a coragem. Mas, o melhor, pensei, é buscar alguma resposta no velho Braga: “Hoje venta noroeste, amanhã é lua cheia. Depois virão outras luas e outros ventos, mas isso também é fútil. Pois um dia as luas podem girar no céu e os ventos rodarão na terra com meiguice ou fúria, e isso não te importará, como também, tudo o que foi. Por que, então, te afliges agora? Que a brisa do mar invente espumas, e depois venham as chuvas frias, o sol e depois no céu limpo suba, imensa, a lua (…)” … Ao amigo que morria e que perguntou o que poderia ter sido sua vida, só pude dizer que gostaríamos que tivesse sido mais do mesmo…