Crônicas

Nem choro, nem vela

Não gosto de velórios, sempre que vou a algum, e só vou de gente muita amiga, saio com sensação de desconforto.

Por: Marilene Depes em 4 de outubro de 2021

Talvez cause estranheza um texto sobre um tema que se evita falar e envolvido em grande temor, a morte. Inclusive, quando havia muita distância entre mim e ela, eu sugeria que colocassem em meu túmulo a frase: Aqui jaz…completamente contra à vontade. Hoje nem quero lápide, muito sem noção desejar algo que não se vai desfrutar.
Não gosto de velórios, sempre que vou a algum, e só vou de gente muita amiga, saio com sensação de desconforto. Reconheço que, para muitos é importante a exposição do corpo para as despedidas, de ficar adiando o sepultamento para aguardar um parente que vem de longe, e muitos deles nem davam um telefonema para o defunto, e aquele monte de gente embolada num local falando sobre tudo, ou tecendo elogios que o falecido talvez nem fez por merecer em vida. Velório é uma cerimônia cultural e de cunho religioso, e que se mantém devido ao respeito que as pessoas têm diante da morte, que é para onde todos nós caminhamos e para onde a maioria, como eu, não quer ir. E muito utilizado por políticos, como o caso de um deputado que não perdia nenhum, abraçava todos, se postava junto da família como se dela fizesse parte e ainda discursava enaltecendo o morto.
Cada povo com seus costumes, então convenhamos, velório é uma formalidade, não uma regra. Muitos preferem abolir a cerimônia, optam pela cremação. Eu não almejo nada após a morte, podem me embrulhar num saco e jogar em qualquer buraco. Se não estou vendo ou sentindo nada, para que gastar tempo e dinheiro comigo? Para que ficarem do lado do meu corpo tecendo elogios se não estou ouvindo? É por consideração à família? Elogiem, visitem, externem sentimentos, ofereçam flores em vida! É o que quero para mim.
A pandemia e a violência tem simplificado bastante os velórios, diminuiu o tempo de exposição dos corpos e não se vela mais durante à noite por conta dos assaltos. Em outros tempos havia necessidade de manter o corpo por 12 horas antes de enterrar, pois aconteciam casos de catatonia, o defunto acordava, sentava no caixão, e quase matava todos de susto, ou de exumação de ossadas encontradas de lado ou de bruços. Com o avanço da ciência um eletroencefalograma comprova a morte e pronto.
Quando secretária da Prefeitura participei das reuniões do orçamento comunitário, em que o povo escolhia as obras para seu bairro, e a capela mortuária estava entre as mais votadas, até mais do que postos de saúde, escolas e áreas de lazer. Eu questionava e recebia as respostas mais bizarras – era o evento social da comunidade, sempre com “comes e bebes”, e muita comoção, choros e velas. Vá entender!