Crônicas

Nimbo

“Esse menino vive no mundo das nuvens!”, minha mãe falava e a vovó Maria, do alto do morro, confirmava.

Por: Sergio Damião em 4 de outubro de 2021

“Esse menino vive no mundo das nuvens!”, minha mãe falava e a vovó Maria, do alto do morro, confirmava. Na infância, parte do dia, entre um e outro desenho, nos intervalos dos exercícios do caderno de caligrafia, buscava as nuvens no céu, sonhava… Com o passar dos anos, a leitura e os estudos substituíram as nuvens. Elas deixaram de ser um lugar para encontros e entretenimento, as ilusões apagaram-se, as necessidades diárias afugentaram as linhas de fumaça do meu céu. As ilusões se foram junto com a memória da minha mãe e um vazio se apossou dos espaços que outrora gostava de admirar e sempre me surpreendia. Mas, mesmo com a pandemia, a primavera é uma estação animadora e faz o céu da minha infância retornar. Nesta estação, o céu de Itapuã, em Vila Velha, a mais bela praia urbana capixaba, fica assim: inebriante. Quando observo as nuvens, penso no mistério da vida, no cérebro humano e seus milhões de neurônios, suas interações; nas coisas passadas e presentes; quão diferente podiam ser… Vivemos tão pouco, tão pouco tempo de saúde perfeita, logo o corpo apresenta sinais de mau funcionamento, mudamos rotinas, as limitações aparecem, as medicações, o medo. Para o céu de Itapuã, desejo o céu limpo. Mas, na tarde daquele dia, as nuvens escuras, os nimbos, e promessas de chuvas se apresentam. Tento imaginar seu trajeto desde a região Amazônica. Da nossa floresta formam-se as nuvens voadoras, as nuvens que transportam as águas, partem dos rios e das matas para o restante do planeta. São as nuvens que abastecem o mundo. Embora importante, as nuvens escuras podem confundir a visão. As emoções que as acompanham podem nos levar às conclusões equivocadas. Sendo assim, devemos evitar as brancas nuvens, com elas passamos a vida sem sermos notados, passamos despercebidos; em outras nuvens podemos enxergar aumento de coisas, visualizar gafanhotos, onde nada existe. Portanto, o alerta: caminhar com cuidado, não tomar a nuvem por Juno, uma nuvem que nos leva a interpretar erradamente um sinal ou fato. Bom mesmo é viver uma boa nuvem no céu de Itapuã. Foi o que encontrei no dia seguinte. Levantei cedo com o sol da manhã alto e belo, nele, o nimbo não se confirmou.