Comportamento
Síndrome pós-Covid: pacientes relatam perda de olfato e depressão
Cozinheiros que não podem mais trabalhar porque não sentem o cheiro e o gosto dos alimentos e pacientes que, de tão deprimidos, decidiram acabar com a própria vida. Casos assim estão entre os observados por médicos que tratam da síndrome pós-Covid.
Por: Redação em 23 de abril de 2021
Há profissionais liberais com dificuldade de responder à pergunta de quanto é dois mais dois. Cozinheiros que não podem mais trabalhar porque não sentem o cheiro e o gosto dos alimentos e pacientes que, de tão deprimidos, decidiram acabar com a própria vida. Casos assim estão entre os observados por médicos que tratam da síndrome pós-Covid e, em comum, têm o acometimento do cérebro.
À frente de um grupo de estudo sobre o impacto neurológico da Covid-19 e da pós-Covid, o neuropsiquiatra Flávio Kapczinski, diretor do Centro para Neurociência Clínica da Universidade McMaster, no Canadá, explica que o cérebro é particularmente vulnerável por ser muito sensível e demorar mais para se recuperar de inflamações.
E a Covid-19 é basicamente uma doença inflamatória capaz de afetar o corpo todo.
— Quando o cérebro é afetado, pode levar de seis meses a um ano, talvez mais, para se recuperar. E cerca de 30% dos pacientes com Covid-19 sofrem acometimento neurológico. Estes são os mais suscetíveis a ter pós-Covid neurológica — diz Kapczinski.
Esses pacientes são mais suscetíveis, mas não os únicos, pois a pós-Covid pode acometer até pessoas assintomáticas na infecção aguda, observa Kapczinski.
— Estamos desmontando mitos. Os riscos são maiores, mas não são limitados aos casos graves — acrescenta ele.
Sinais de alerta para os médicos são pacientes que chegam o dímero D, um marcador de inflamação elevado, e ou lesões na substância branca do cérebro. A inflamação gerada pela Covid-19 pode fazer com que pessoas que não tinham depressão apresentem quadros graves dessa doença. E que as anteriormente deprimidas adquiram tendência suicida, diz o cientista.
O cérebro sofre porque é vítima de uma reação em cadeia, cuja origem está na chamada tempestade de citocinas, a hiperinflamação do organismo gerada por uma resposta inadequada do sistema imunológico à infecção pelo coronavírus. Ele pode, em alguns casos, ter danos devido à falta de oxigênio decorrente das lesões nos pulmões.
Mas é a cascata de inflamação que tem sido associada pelos cientistas pela síndrome pós-Covid neurológica. Tudo começa quando a barreira hematoencefálica, que protege o cérebro de agressões, é rompida pela inflamação.
A partir daí, legiões de células encarregadas da defesa começam a cair e a produzir mais inflamação, em vez de contê-la. Os danos se estendem às células ligadas à transmissão de sinais nervosos chamadas oligodendrócitos. A consequência da tempestade no cérebro se manifesta em lentidão de raciocínio, dificuldade de concentração, por exemplo.
Os danos também acometem o bulbo cerebral, responsável pelo controle autônomo do cérebro. Em consequência, a pessoa pode sentir frios e calores sem explicação, batimentos cardíacos anormais.
— O cérebro fica cheio de células ativadas pela inflamação e detritos celulares. Pode levar um tempo considerável para que se recupere. Seis meses ou mais, é uma longa jornada — frisa Kapczinski.
Danos causados diretamente pelo vírus ao cérebro ainda estão à espera de confirmação. Mas os danos da infecção aguda nos vasos sanguíneos, um dos alvos preferidos do coronavírus, podem levar a AVCs na pós-Covid.
— A pessoa fica negativa, tem alta hospitalar, mas seus vasos sanguíneos podem estar danificados. Isso pode levar a microtrombos cujas consequências vão de perda de concentração e tonteiras a AVCs. Há uma variedade muito grande de quadros clínicos. E estamos vendo só o começo de um problema que vai impactar muito a saúde pública — diz o cientista.