Crônicas

Constatações

Existem constatações que são tão óbvias que seria desnecessário qualificar o autor, basta atentar para suas opiniões.

Por: Marilene Depes em 27 de julho de 2020

Existem constatações que são tão óbvias que seria desnecessário qualificar o autor, basta atentar para suas opiniões. Cito exemplo concreto: um amigo publica uma foto da vice-presidente argentina Cristina Kirchner junto com a observação de que ela será julgada pelo “escândalo dos cadernos”, e que seu secretário colabora com as investigações. Entre os comentários, que poderiam ser os mais variados, entre malversação de verbas públicas ou de infidelidade partidária, um cidadão foi taxativo: – A mocreia está um canhão! O que não tem nada a ver com o que foi postado e nem com a função que ela ocupa. O machismo se apresenta nas linhas e entrelinhas, afinal qual a relevância do aspecto físico da referida senhora para o cargo? Ela está sendo julgada em um concurso de beleza? E em que, o aspecto contribui para a competência? Ou para esclarecer melhor, algum estadista já foi julgado pelos seus dotes físicos? O Brasil foi governado por presidentes razoavelmente feios ou esculhambados, e nunca encontrei um comentário a respeito, desqualificando as devidas competências por conta do aspecto. E retornando à postagem, espantei-me mais ainda quando uma mulher entrou no jogo e qualificou a vice- presidente de corrupta, comunista, burra e deformada! O termo corrupta está dentro do contexto da postagem, mas não os restantes. As mulheres sem perceber entram, como massa de manobra, no delírio do machismo e é impossível almejar uma evolução no debate de gênero, sem aliança e solidariedade com as companheiras. Equidade de gênero não é apenas uma argumentação moral e social, muito além é uma questão de empatia e sororidade.
Retornando as postagens, em outro contexto o amigo publicou que conhece muitos maridos que lavam, passam, arrumam casa, cozinham e levam cachorro para passear. E sem reclamar. E logo abaixo vem o comentário do machista, alegando que existem outros que não fazem nada disso, e a mulher também não reclama. O autor da postagem tentou esclarecer que há de tudo no mundo, mas alguma coisa mudou, e que as mudanças demoram. O cidadão tentou se justificar alegando que até ajuda em casa. O que não convenceu, o até não significa tarefas divididas e sim a prestação de um favor. E não é o que as mulheres almejam, igualdade de condições significa partilha até de tarefas, mas principalmente a coparticipação de objetivos e sonhos. E que só será possível quando homens e mulheres entenderem o quanto vamos evoluir, se direitos e deveres forem partilhados e usufruídos igualmente por todos.