Crônicas

Insulto à Biblioteca Nacional

Ainda no rescaldo das emoções que queimam com as homenagens da Festa, sou surpreendido com a concessão da Medalha da Ordem do Mérito do Livro pela Biblioteca Nacional ao deputado federal Daniel Silveira.

Por: Wilson Márcio Depes em 11 de julho de 2022

Ainda no rescaldo das emoções que queimam com as homenagens da Festa, sou surpreendido com a concessão da Medalha da Ordem do Mérito do Livro pela Biblioteca Nacional ao deputado federal Daniel Silveira. Aliás, diga-se, o político foi condenado pelo Supremo Tribunal por atos antidemocráticos e indultado pelo presidente. É preciso que se diga, eu que venho de longe, que se trata de um capítulo revoltante de nossa história cultural. É uma chacota de péssimo gosto. Há dias que venho cantarolando, inconscientemente, Chico Buarque: “Está na natureza, será que será/ O que não tem certeza, nem nunca terá/ O que não tem conserto, nem nunca terá/ que não tem tamanho…”.
Ora, com a homenagem, Silveira — mais conhecido pelo uso de armas e músculos do que pelas palavras ou por vocações literários — se junta a personalidades como Carlos Drummond de Andrade ou Gilberto Freyre. O próprio deputado disse à imprensa não saber por que foi condecorado. Ao escrever esta crônica, juro!, fiquei pensando na cara da Marilene, nossa presidente Da Academia Cachoeirense de Letras. Chegando ao ponto de os servidores da Biblioteca Nacional fazerem m nota de repúdio – nunca tinha pensando nisso ou até presenciado este ato, digamos assim, de coragem. Aliás, como diz um grande coronel meu cliente, “são subalternos”!
Tem acontecido coisas no Brasil que, ao mesmo tempo em que me deprime, me orgulha. A honraria concedida a Silveira causou indignação até entre os próprios agraciados. Marco Lucchesi, ex-presidente da ABL, declinou a homenagem e disse “Não participo dessa loucura e desse surrealismo”, afirmou. A família de Drummond informou que, vivo fosse, ele devolveria a medalha.
Absurdamente, aplicando de forma radical a cartilha governista, a Fundação Palmares cancelou homenagem a quase três dezenas de personalidades negras que não comungam com sua ideologia. Entre os excluídos estão Gilberto Gil, Milton Nascimento e Elza Soares, além de adversários políticos. No ano passado, a Câmara aprovou um projeto que suspende os efeitos do cancelamento. Admito que se faça política com cargos, já registramos isso em vários governos, mas concedê-la a Daniel Silveira, que nada fez em prol da instituição ou dos livros, é uma insulto à história da Biblioteca Nacional.