Crônicas

Irmã Otilia e Marta

Marta nasceu na cidade de Plauen, na Alemanha. Os pais se acomodam no extremo sul capixaba. Início do século XX, da Primeira Guerra Mundial.

Por: Sergio Damião em 15 de maio de 2023

Marta nasceu na cidade de Plauen, na Alemanha. Os pais se acomodam no extremo sul capixaba. Início do século XX, da Primeira Guerra Mundial. Carregava a vontade de ser tornar irmã de caridade. Em Cachoeiro de Itapemirim, encontrou numa antiga fazenda, no alto do morro, uma moradia que aos poucos se transformava em hospital. Com o desejo de ser aceita na irmandade, foi ficando nos corredores do nosocômio, aprendendo o oficio dos cuidadores. Mesmo sem conhecer as palavras escritas, conhecia cada remédio pedido, cada frasco solicitado, conhecia pelas cores das embalagens, aprendia sem muito esforço, devido o prazer de servir. Tornara-se uma auxiliar imprescindível no serviço de oftalmologia e otorrinolaringologia do professor Casotti. Do mundo exterior pouco conhecia. Permanecia junto da clausura, um local que acreditava estar mais próxima de Deus. Acompanhava as orações. Sentia-se feliz assim: com as irmãs, clausura e o hospital. Pensava frequentemente nos familiares. Lembrava da fruta no pé, da sombra e a brisa de suas tardes de criança. Um dia, foi levada a casa dos pais. Uma alegria ao rever os parentes. Mas acostumara-se aos corredores do hospital. Gostava da gratidão dos acamados. Dos pais, ficou com a recordação, eles sentados à beira da casa, era assim que recordaria um casal feliz. Voltou ao hospital. Adormeceu pelo cansaço da viagem. Uma viagem que não voltaria mais a realizar. Marta partiu há muitos anos atrás. Deixou um rastro de bondade. A caridade da irmã Otilia, com seu aspecto franzino, seu hábito branco preencheu o vazio e acompanhou os passos deixados pela Marta nos corredores hospitalar. A clausura foi desativada ainda no século XX e em seu lugar encontra-se o Centro de Estudos Edson Moreira. Com a pandemia do Coronavírus ficamos sem a presença da irmã Otilia. Na última páscoa ela retornou. Retornou o conforto e consolo para os pacientes internados, familiares e todo aquele que necessita de uma palavra amiga. Na maioria das vezes poucas palavras. O suficiente para o preenchimento espiritual. Com sensibilidade e respeito às diferenças religiosas. Na última páscoa, retornou a irmã Otilia, com seus braços abertos, um sorriso e sua face tranquila, transmitiu um convite e desejo de todo corpo clínico e funcionários da Santa Casa de Cachoeiro para um longo abraço. Uma imagem de paz pelos mais de100 anos de existência do hospital.