Artigo
Música para os pais
No último domingo, Dia dos Pais, lembrei de um domingo de tempos atrás. O sol estava alto e forte, o céu com poucas nuvens, um dia próprio de Cachoeiro de Itapemirim.
Por: Sergio Damião em 18 de agosto de 2025
No último domingo, Dia dos Pais, lembrei de um domingo de tempos atrás. O sol estava alto e forte, o céu com poucas nuvens, um dia próprio de Cachoeiro de Itapemirim. Visitava o CAPAAC, hospital público psiquiátrico. Ao entrar observei várias pessoas à sombra de uma grande árvore em seu pátio. Estranhei o comportamento da maioria. Não vi a agitação habitual. Não havia alvoroço e correria pelos corredores por parte dos pacientes. Algo frequente na presença do médico. Suficientes para as queixas. A mais comum é o desejo de ir embora. Mesmo sem um lugar no mundo. Mesmo que não sejam desejados ou esperados por alguém. Mesmo assim, o desejo de ir é mais forte. Um sentimento semelhante à paixão amorosa. Algo não explicado. Como se buscássemos a liberdade do desejo e menos o destino da busca. Encontravam-se em torno de um homem e seu violão. Entoava os primeiros acordes e cantarolava uma melodia lenta e baixa, por isso, o silêncio de muitos. Em sua volta uma mostra do desarranjo da nossa sociedade. Ele que tocava e cantava, aparentava uma boa forma física, jovem ainda, fora trazido pelos familiares, a obsessão pelo álcool não o deixava viver. A música o transportava para outro mundo. Um mundo de fantasias. A mulher a sua direita, também dependente química. À esquerda, um morador antigo do hospital e sem juízo critico, aparentava pelo silêncio respeitoso, compreender a melodia. Um pouco mais à frente o restante dos internos. Um momento mágico. A música apresentava um poder maior que o mais forte sedativo. Uma medicação diferente, um aliviador de tensões e amarguras. Um sedativo para o espírito instigante o qual habita em cada um de nós. Por natureza, quase sempre incrédulo, admiti por fim a magia da música como a razão da cena de calmaria e harmonia que eu assistia. Lembrei do meu pai. Dos muitos momentos da sua vida agitada, do seu espírito irrequieto, da sua personalidade forte, dos momentos de explosões. Foi no hospital, com uma música leve e distante, em seus últimos dias de vida, que guardo a melhor lembrança. A música transmitiu a paz necessária para se ouvir os sentimentos acumulados em todos os anos de vida de gritos, sons altos e de palavras na maioria das vezes não compreendidas.