Crônicas

Tentei me calar

E a pandemia faz aflorar no ser humano o que ele tem de pior, as injustiças sociais nunca foram tão clamorosas, basta verificar qual a população que está sendo dizimada pela pandemia

Por: Marilene Depes em 1 de setembro de 2020

Às vezes imagino que vivemos realidades tão absurdas, que ficamos em meio ao caos, sem ter a quem recorrer ou em quem acreditar. Inseridos numa pandemia que não sabemos quando vai terminar, observando os governos tentando demonstrar poder através do controle da doença, e a Organização Mundial da Saúde, que deveria ser referência, fazendo declarações em um dia para desmenti-las no outro. E a pandemia faz aflorar no ser humano o que ele tem de pior, as injustiças sociais nunca foram tão clamorosas, basta verificar qual a população que está sendo dizimada pela pandemia – idosos, pobres, índios, favelados, parcela do povo que representa custos para os governos, sem a contrapartida dos tributos. Estamos assistindo a uma catástrofe, uma verdadeira eugenia, e sem condições de reverter esse quadro horrível, que só não é pior graças ao trabalho incansável dos profissionais da saúde e dos pesquisadores, que buscam atenuar a doença e os caminhos de cura. Sentimos insegurança quanto às informações que recebemos, os responsáveis pelas notícias são rechaçados e desvalorizados, e as informações nos chegam através de redes sociais, fakenews e outros meios que estão a serviço do poder. Sou cética, confio em notícias assinadas por jornalistas que honram sua profissão e abomino os que se dispõem a se vender ao sistema. As figuras que se apresentam como lideranças no cenário nacional são as mais esdrúxulas, nunca vi tanta gente incompetente ocupando altos cargos, tanto caso de corrupção aflorando a cada dia, e enaltecimento de personagens bizarras como a líder de tornozeleira, insensata a ponto de desrespeitar e Estatuto da Criança e do Adolescente fazendo declarações ilegais, tentando se cacifar para as eleições. Ou da deputada pastora que se elegeu pelo trabalho social de adoção de dezenas de crianças, num projeto comprovadamente inescrupuloso e denunciada pelo assassinato do marido. Não merece crédito quem utiliza trabalho social como plataforma política, trabalho esse a ser baseado unicamente no amor. Assusta-me a postura dos fundamentalistas em relação a uma criança de 10 anos, desprotegida desde o nascimento, abusada durante quatro anos, sem físico para sustentar uma gravidez e um parto, debilitada e finalmente amparada pela justiça. Suponhamos que ocorra com minha neta de 10 anos, cabeça e corpinho de criança, uma gravidez decorrente de um estupro, eu acataria à lei promulgada para proteger todas as crianças em situações idênticas. Aplaudi os estudantes de medicina que se postaram de mãos dadas ao redor do hospital de Recife em atitude de proteção a criança, papel a ser representado pelo humanismo que habita em cada um de nós.