Crônicas

Ainda sonhamos

Me dirijo ao trabalho a cada manhã rezando e agradecendo a Deus pela vida, minha e de todos que vou me lembrando, pedindo pela saúde dos doentes, e sonhando enquanto organizo mentalmente meu dia.

Por: Marilene Depes em 28 de junho de 2021

Me dirijo ao trabalho a cada manhã rezando e agradecendo a Deus pela vida, minha e de todos que vou me lembrando, pedindo pela saúde dos doentes, e sonhando enquanto organizo mentalmente meu dia. Não tenho sonhos complexos ou a alcançar, estou satisfeita com o que sou e com o que tenho, mas só seria feliz se todos pudessem usufruir de possibilidades idênticas as minhas. Há sempre um sentimento de remorso ao contemplar a comida na mesa, ao me enrolar no cobertor quentinho, ao caminhar pela vida e me perguntar por que tanta desigualdade e tanta miséria. Tento ajudar através da minha igreja, e percebo que está difícil cobrir todas as brechas, que são inúmeras e que só vão se ampliando.
Estamos afundados numa crise de proporções descomunais, o povo desempregado e cada vez mais miserável, sem condições de comer dignamente, e com os preços dos alimentos que se elevam a cada dia. Se compram comida não sobra para o gás, se tapam a cabeça destampam os pés. E o auxílio emergencial do governo não cobre nem uma cesta básica para uma família pequena. A chamada classe média está desaparecendo, perdendo o poder de compra, de usufruir do mínimo de conforto e até o direito de ir e vir. Quem possui um veículo tem que mantê-lo parado devido ao alto preço do combustível. Famílias estão se sustentando com os benefícios de seus idosos, tirando deles a possibilidade de ter um final de vida com algum conforto. E cito apenas as necessidades básicas, porque a maioria do povo brasileiro já não cuida nem da saúde, quando o problema extrapola a abrangência do SUS.
E a pandemia veio para amplificar o quadro aterrorizante. Penso que não exista nenhum brasileiro que não perdeu um parente ou amigo, penso nas viúvas, nos órfãos, nos pais e no sofrimento de um contingente absurdo de pessoas imersas em sua dor, e não vi até hoje o governo federal apresentar um plano concreto e efetivo para acabar com tanto martírio. No início da pandemia havia um ministro que vestia a camisa do SUS e se comunicava com o povo diariamente trazendo um certo alento, porém foi destituído e as informações só nos chegam graças a um consórcio organizado pelos veículos de imprensa. E a população de duas Cachoeiro já foi exterminada, nem as bombas de Hiroshima e Nagasaki dizimaram tantos.
Meu amigo Wilson foi enfático ao afirmar que, não podemos ser negacionistas e nem omissos diante do quadro de inoperância e inércia que estamos assistindo. Temos que reagir se não somos cegos nem coniventes, e se ainda sonhamos com um país em que haja liberdade e oportunidades para todos, e vida para usufrui-las.