Crônicas

Coisas do tempo

Carlos encontrava-se em quarto de hospital. Gradativamente voltava a consciência. Orientava-se através de informações recebidas de familiares e acompanhantes.

Por: Sergio Damião em 8 de maio de 2023

Carlos encontrava-se em quarto de hospital. Gradativamente voltava a consciência. Orientava-se através de informações recebidas de familiares e acompanhantes. Encontrara-se em coma por quatro meses. Lembrava com clareza do passado: dos filhos, do casamento desfeito, do trabalho, da Márcia (amor da sua vida…). Dos momentos, dos meses que se encontrara em coma, as lembranças eram confusas, não poderia dizer se eram memórias ou fruto de sua imaginação. Lembrava-se dos instantes antes do coma. Dia e hora da chegada ao hospital. A manhã no pronto socorro, a presteza do atendimento médico e o diagnóstico da dor torácica intensa após a tomografia: Aneurisma Dissecante de Aorta. A chegada da maca, a subida rápida pela rampa de acesso ao Centro Cirúrgico, o alvoroço em sua chegada, o grito do anestesista e cirurgião, a diminuição dos batimentos cardíacos… E a partir dali, nada lembrava com clareza, apenas sentia. Voltava após quatro meses. No leito hospitalar, recebia estímulos da fisioterapia e fonoaudióloga, recuperava músculos, palavras e deglutição. Aceitava com humildade as ajudas e cuidados; agradecia a cada cuidado oferecido e não lamentava as dores, infortúnios e as dificuldades enfrentadas nos movimentos. O que incomodava era a televisão, as notícias de sua cidade, país e o mundo eram assustadoras. A pandemia do novo vírus, uma doença nova com alta contaminação e letalidade. Assustava o número crescente de doentes e de mortes. Em suas noites, em meio às angústias, em meio ao medo do novo vírus, aparecia uma mulher de pele branca, branca como a neve, olhos claros, corpo insinuante, jovem… Era a mesma imagem da mulher de meses antes de sua internação hospitalar e do momento de sua chegada ao Centro Cirúrgico. Com o passar dos dias, com as melhoras clínicas, crescia dentro de Carlos o desejo de rever Márcia, a mulher de pele branca como a neve. Estava decidido, após a alta, ao sair do hospital, venceria o medo e a procuraria. Porém, no dia seguinte. No momento da saída do hospital, a indecisão, a insegurança: temia que ela não o quisesse. Temia por novos sofrimentos, temia a rejeição e indiferença. Decidiu, deixaria o tempo agir. O tempo seria o senhor da sua história.