Crônicas

Conforto espiritual

Os colegas estranharam, mas nada disseram. Na hora marcada lá estava ele junto à cantina.

Por: Sergio Damião em 2 de março de 2020

Um trabalhador da saúde. No exercício da profissão uma técnica apurada sem nunca perder a compaixão humana. Boa relação com os colegas de trabalho. Mas, na parte afetiva, com as parceiras amorosas, nunca dera sinais que o coração sentia o que os olhos admiravam. Mulher nenhuma, até então, tinha tocado aquele homem insensível. Gabava-se de tal feito. Mostrava-se resistente aos sentimentos. O máximo que se permitia era o amor pelos pais e familiares próximos (irmãos e tios), nada mais além. Isso até aquela data. A partir do momento que a viu, mudou o comportamento. Algo notado por todos. Fazia questão que todos soubessem de sua paixão. Algo o atraía. Em um momento: o olhar. Em seguida, o jeito de andar. E, quando sozinho, apenas as lembranças da amada… Parecia a descoberta de um tesouro. Como diz o espanhol: “Vale un potosi.” Isto é: uma fortuna. Se fosse necessário, e mesmo não sendo, se oferecia para dobrar as horas de plantão no hospital, só para estar ao lado dela. A amada não ligava, não correspondia aos seus desejos e anseios. Pensou… É o tipo de abordagem que não está sendo eficiente. Manter a presença física não foi suficiente. Resolveu: usaria a tática da humildade. Melhor, se faria de vítima. Apelaria para os sentimentos, para o espírito maternal. Foi o que fez. Aguardaria o dia certo, um dia ensolarado. Pensou melhor, falaria em dia chuvoso, o ambiente estaria mais propício com as nuvens escuras e carregadas. Um ambiente até certo ponto melancólico. Deixaria umas lágrimas escorrerem. Pelo amor daquela mulher se comportaria como um verdadeiro cafajeste. Durante o plantão, entre uma injeção e outra, disse: “Estou me sentindo triste. Angustiado. Quase não tenho apetite. Sinto-me carente. Necessito de conforto.” Ela olhou-o nos olhos e respondeu: Aguarde o fim da tarde, no final do plantão, perto da cantina, providenciarei um modo de confortá-lo. Ele animou-se. Pediu ao chefe do serviço para que o liberasse mais cedo. Banhou-se e perfumou-se. Os colegas estranharam, mas nada disseram. Na hora marcada lá estava ele junto à cantina. Esperou… Dezoito horas em ponto, horário da missa. A irmã de caridade do hospital, com seu hábito todo branco e impecável, chega e diz: “Meu filho, soube da sua carência e necessidade de conforto. Venha até a capela e rezaremos dez Ave-marias.”