Crônicas

Dendé, uma história de vida

Numa época que não havia televisão, jornais e revistas só chegavam com muito atraso, o único meio de comunicação era o rádio. Essa era a nossa realidade.

Por: Marilene Depes em 20 de setembro de 2021

Nossos pais eram camponeses e pertenciam a famílias que vieram para o Brasil em tempo de muita miséria na Itália, e o governo estimulava a emigração. Numa época que não havia televisão, jornais e revistas só chegavam com muito atraso, o único meio de comunicação era o rádio. Essa era a nossa realidade, e o meu grande prazer era passear na casa da minha irmã mais velha. Para chegar até lá atravessávamos um caminho pedregoso e longo, e minha mãe, para eu não desanimar e pedir colo, ia procurando comigo pedras redondas cercadas de pedrinhas, que segundo ela estavam mamando na mãe. E finalmente chegávamos numa mata que representava a porta do paraíso para mim – a casa da minha irmã.
Minha irmã sempre foi muito acolhedora, grande cozinheira e doceira, em sua casa sempre houve fartura de doces, biscoitos, pães, bolos, queijos, tudo confeccionado por ela, que além de cozinhar, lavar, passar, cuidava da casa, dos filhos, e de pássaros, gatos, cães, galinhas, patos e porcos, plantava horta e ainda trabalhava fora. A maior alegria da minha infância era passar alguns dias em sua casa, brincando com minha sobrinha cuja idade nem era tão próxima, mas naquela época não fazia muita diferença pois a infância durava muito mais tempo. Meus pais vieram para a cidade e eu não perdi o contato e carinho por minha irmã. Interessante que nunca fomos uma família de grandes arroubos sentimentais, mas contamos uns com os outros nas dores e alegrias. Hoje só restam nós duas, a mais idosa e a mais nova dos sete irmãos, e ela fez 90 anos, comemorado num evento para a família e organizado com muito carinho e esmero por filhos e netos.
E minha irmã está lúcida e ativa no que é possível, fazendo crochê, e até antes da pandemia participando de grupo da terceira idade e de hidroginástica, onde fez muitas amigas, e hoje caminha todos os dias, e vive num paraíso entre tudo o que ela aprecia, família, plantas e animais. Reconheço o cuidado em seu entorno, não deixam faltar material para seus artesanatos, e por conta de uma rachadura na sua antiga casa, esta foi derrubada e foi construído um moderno “loft”, com toda segurança e atendendo suas necessidades. Para quem pensa que para um idoso qualquer coisa está bom, a família da minha irmã dá um lindo testemunho. Estão sempre ao redor e para estreitar laços mantém um café da manhã todos os finais de semana e organizam passeios em que ela pode participar, afinal reconhecem o quanto é importante mantê-la com objetivo de vida. E numa postagem que fiz de Dendé no facebook, pela quantidade de comentários que vem recebendo, posso garantir que ela, nos seus 90 anos, ainda é unanimidade!