Crônicas

Ecos da memória

A crônica retrata coisas do cotidiano, na maioria das vezes efêmeras, consideradas passageiras no tempo e na vida, tais quais os insetos na beira de uma cachoeira.

Por: Sergio Damião em 2 de maio de 2023

A crônica retrata coisas do cotidiano, na maioria das vezes efêmeras, consideradas passageiras no tempo e na vida, tais quais os insetos na beira de uma cachoeira. Algo escondido de todos e, muitas vezes, de nós mesmos, é vista por alguns como uma parte da literatura menos elaborada, conceituada e valorizada. Porém, sem esse gênero literário, se assim considerarmos, perderíamos a chance de conhecer as reminiscências e os detalhes de Cachoeiro de Itapemirim do nosso melhor cronista, Rubem Braga. Não saberíamos das paixões, do amor pelo futebol, em especial pelo Flamengo, de José Lins do Rego, e sua emocionante descrição da final da Copa do Mundo de 1950. Descreve em texto, “A Derrota”, para o Uruguai: “Vi um povo de cabeça baixa, de lágrimas nos olhos, sem fala, abandonar o Estádio Municipal como se voltasse ao enterro de um pai muito amado. Vi um povo derrotado e, mais do que derrotado, sem esperança. Aquilo me doeu no coração. Toda a vibração dos minutos iniciais da partida reduzidos a uma pobre cinza de fogo apagado…” A crônica, pelo seu texto curto, usa e abusa das emoções, instantes relâmpagos, de significado de toda uma vida passada e presente. Embora não se preocupe com o que está por vir, influencia na vida futura. A crônica nunca se desfaz do passado. Sabe que os tempos contados são os vários instantes vividos. Quanto mais vivemos, menos entendemos seus efeitos. Quando nos aproximamos daquilo que imaginávamos, ocorre o vazio, e a idéia que poderia ter sido diferente.  Não sei por quê, mas uma época que ressoa forte é o dia de mais um ano de vida. Talvez por sabermos finitos, ou por tomarmos consciência do fato, ou quem sabe percebemos que além dos músculos, dos ossos e pele, existe a inexorável contagem do tempo, e este não podemos parar, a contagem é regressiva. Com a contagem iniciada aparecem os ecos que nos arremessam ao tempo da mente vazia, tempos de criança, ricocheteiam em um ziguezague e voltam ao presente. Como é bom, em dia de mais um ano de vida, rever as lembranças. Ecos que ressoam felizes e esperançosos como o som dos passarinhos, dos gritos do campo de futebol, da bola de gude, da bola de meia, do banho de mar, da pescaria do siri Açu, das conversas descompromissadas da criançada, conversas não vigiadas e das palavras não escolhidas. Foi isso que pensei ao acordar para mais um dia de vida.