Crônicas

Esgotar a cacimba

O título acima pode parecer estranho, então vou explica-lo. Em locais do interior ainda não contemplados pelos serviços de saneamento, as famílias utilizam poços para o abastecimento de água, também denominados cacimbas.

Por: Marilene Depes em 26 de setembro de 2022

O título acima pode parecer estranho, então vou explica-lo. Em locais do interior ainda não contemplados pelos serviços de saneamento, as famílias utilizam poços para o abastecimento de água, também denominados cacimbas. Com o passar do tempo as águas vão ficando turvas por conta da utilização constante e para que retorne a sua limpidez torna-se necessário retirar toda água, até o final, isto é, deixar a cacimba totalmente vazia para que seja novamente preenchida por água límpida e translúcida. É um processo de muita beleza apreciar a água ir nascendo no fundo e a cacimba ir-se enchendo de água pura e transparente. Morei na roça quando criança e narro esse procedimento com bastante conhecimento, por tê-lo assistido inúmeras vezes.
Trazendo essa técnica para nossa vida, cito Jung, “guardar segredos nos isola do inconsciente”. Segredos todos temos, daí a importância de esgotar as nossas cacimbas internas, com um terapeuta, um psicólogo, um sacerdote ou pastor, um guru ou com alguém de nossa confiança. Grupos de partilha podem alavancar as nossas restrições e nos tirar do fundo dos poços de águas turvas em que estamos afundados. A prática de compartilhar em grupos é utilizada pelos Alcóolicos Anônimos, os Neuróticos Anônimos, o Amor Exigente, os grupos de mulheres que sofrem violência ou de homem que a praticam, todos possuem objetivos diversos e um denominador comum – dividir as mazelas da própria vida. Sozinho não se chega a lugar nenhum. Participo de um grupo de mulheres que através da leitura do livro “Mulheres que correm com os lobos”, de Clarissa Pinkola Estés, somos direcionadas, num clima de plena confiança, a partilhar o que nos vai no mais profundo da alma. E com as partilhas vamos nos libertando das águas turvas, acreditando que a mulher que guarda um segredo é uma mulher exausta e triste. Acredito enfim na exaustão não só da mulher, como de todo ser humano que guarda segredos invioláveis. E não só na exaustão, como a certeza que as doenças físicas, muitas vezes, são causadas pelas dores da alma. O que guardamos e escondemos a sete chaves vai algum dia se transformar numa enxaqueca constante, uma forte dor na coluna, um tumor em alguma parte do corpo, um enfarto, uma imunidade baixa ou outras enfermidades, além do estresse de se conviver em meio a constantes águas turvas. Esgotar nossas cacimbas interiores é uma boa sugestão.