Crônicas

Gênesis

Nela, gravamos momentos diversos da vida urbana. A urbe é assim: multifacetada. Como viajante prefiro gravar em memória. Não consigo enquadrar imagens na tela da câmera; não consigo gravar fatos e instantes que me alegram

Por: Sergio Damião em 31 de maio de 2021

Fotografia revela detalhes de uma cidade, como se mostrasse seu corpo e alma. Por isso, o encantamento e medo perante uma fotografia; por isso, o zelo por nossa imagem. Nela, gravamos momentos diversos da vida urbana. A urbe é assim: multifacetada. Como viajante prefiro gravar em memória. Não consigo enquadrar imagens na tela da câmera; não consigo gravar fatos e instantes que me alegram; coisas que nos atraem; detalhes que importam às minhas sensações. Acho que falta concentração para o momento exato do click. Quem sabe, inconscientemente, o meu olhar não queira partilhar aquilo que interessa apenas a nós mesmos. Ou, o meu olhar é o olhar dos aborígenes: acreditam que a fotografia retira a alma da pessoa e das coisas. Com a pandemia do Covid-19 a viagem não é segura até a vacinação da população mundial. Resta rever, no YouTube, fotografias do Brasil e mundo afora. Das minhas andanças, em memória gravei: “Paris é uma festa.” Mais que a arquitetura e ruas e avenidas projetadas… O que impressiona é a qualidade do serviço. Locais públicos e privados são impecavelmente limpos. Não é uma coisa de país rico. Vai além. As calçadas e fachadas, na cidade e vilarejos, são motivos de rivalidades. Disputam entre si, para apresentarem o melhor visual; sem se preocuparem com o luxo. Algo que envolve civilidade: senso de direito e deveres. Os cuidados surpreendem bem antes da surpresa com a beleza arquitetônica. À noite, em quarto de hotel, a televisão apresentava o noticiário da CNN. A jornalista perguntava ao fotógrafo Sebastião Salgado a razão das telas expostas no Museu de Nova York e as fotografias do seu livro (Gênesis). Em inglês, ele revelou a origem de tudo: buscou em tribos da Amazônia, em pontos longínquos da Patagônia e nos animais da África o início da vida. Em Aymorés, uma cidade mineira junto ao Espírito Santo, perto do rio Doce, em terras pertencentes aos seus pais, ele mantém uma reserva florestal. A releitura desta crônica me fez lembrar José Carlos de Oliveira. Assim como Salgado, um fotógrafo apaixonado pelas coisas da natureza. Com a perda de José Carlos ficamos mais pobres nas artes. E, por um longo tempo, entristecidos: nós e os colibris. A fotografia perde um pouco de sua beleza.