Crônicas

Minhas histórias com os outros

Ele era tido na imprensa brasileira como “o mestre”. Sou daquelas pessoas que, entre um prêmio em dinheiro e conhecer uma pessoa que admiro muito, opto pela segunda alternativa.

Por: Wilson Márcio Depes em 22 de maio de 2021

Na última crônica – eu que ando completamente sem assunto – errei a mão e escrevi mais que podia. Resultado: espaço aqui ficou apertado. Tomarei cuidado hoje. Prometo. Vamos lá. A minha estória com Zuenir Ventura é muito interessante. Ele era tido na imprensa brasileira como “o mestre”. Sou daquelas pessoas que, entre um prêmio em dinheiro e conhecer uma pessoa que admiro muito, opto pela segunda alternativa. Acabei por conhecê-lo no aniversário de 50 anos do Ziraldo. Ficamos amigos. A vida toda pedi muitos conselhos a ele. Tinha uma dúvida atroz, ligava e a resposta vinha: calma, sensata, madura. Sobre a inveja, não conheço nada melhor do que seu livro; “Inveja: Mal secreto”. Mas, a propósito, Zuenir, que é casado com uma jornalista, Mary, vai completar 90 anos no próximo dia 1º de junho, “feliz, sem doença, e cantarolando “Gracias a la vida”, de Mercedes Sosa.
Confesso, e o faço sem pudor, que fiquei muito feliz em poder conversar com Zuenir, falar sobre ele, sobre o país, sobre a família, porque ando aos pedaços com a doença e morte de muitos amigos, com a perspectiva sombria da pandemia. Com o rumo do país. A primeira coisa que diz é lançar um protesto: “Economistas e tecnocratas acham que depois de velha a pessoa não serve para mais nada. Mas nenhum desses economistas é capaz de fazer como Verdi, que compôs seu ‘Othelo’ aos 73 anos. Ou como Chaplin, que aos 88 ainda fazia filmes e filhos. Falar mal da velhice é uma estupidez, porque a alternativa é não chegar nela”.
A conversa é uma delícia. Segundo ele, fala-se muito sobre a primavera da vida, mas não o suficiente sobre o ocaso. “Há beleza no pôr do sol. Mas claro que também depende muito da vista que temos. Às vezes a vista pode dar no espelho retrovisor.”. A grande verdade é que Zuenir já viu de tudo em nosso país, mas lamenta que “Estamos vivendo um momento muito difícil. Olha que a primeira crise que eu vi foi a morte de Getúlio. Depois disso, vi renúncia de presidente, golpe em cima de presidente. Não quero ser nostálgico, mas acho que, na verdade, nunca vivemos algo como isso. Há um acúmulo de crises: crise ambiental, é crise sanitária, é crise ética…
Fora o cinismo. Nem no tempo da ditadura vi esse deboche pela vida”. Zuenir está lançando uma edição ampliada de “Minhas história dos outros”. Imperdível. Neste livro ele escreve sua vida a partir de seu encontros com os outros. Uma delícia que chega neste momento difícil.