Crônicas
Moinhos de vento
Algumas amizades, por vezes, orgulham a gente até porque você admirou o pai, o avô, enfim, alguém que ficou no passado. Admirei muito – e até hoje possuo todas as suas obras – o advogado Heleno Fragoso.
Por: Wilson Márcio Depes em 29 de novembro de 2021
Algumas amizades, por vezes, orgulham a gente até porque você admirou o pai, o avô, enfim, alguém que ficou no passado. Admirei muito – e até hoje possuo todas as suas obras – o advogado Heleno Fragoso. Uma espécie de príncipe dos advogados do Brasil. Defendeu, com maestria, quase todos os perseguidos pela ditadura militar de 64. Hoje sou amigo de seu neto, Cristiano Fragoso, também um grande advogado criminal e professor de Direito Penal, no Rio. Outro dia conversávamos, longamente, sobre uma das tarefas mais delicadas para o advogado: a decisão quanto a arguição de suspeição de um magistrado. Mesmo os mais antigos, chegamos à conclusão, poucos opuseram a exceção de suspeição. No máximo, uma ou duas vezes. É que o juízes, diante da providência referida, se acham pessoalmente alvejados pelo aguerrido advogado que, como diz Cristiano, teve o desplante de desconfiar de sua olímpica isenção de presidir o feito. A bem da verdade, todas as vezes que o advogado levanta a suspeição está fadado ao fracasso. Basta consultar as decisões.
Cito sempre o exemplo de um juiz muito rígido, Dr. Romário Rangel, o primeiro juiz federal do estado. Ainda muito jovem, opus um embargo de declaração em decisão sua. Explico. Embargos de declaração são um instrumento jurídico por meio dos quais a parte pede esclarecimentos ao juiz ou tribunal sobre qualquer decisão proferida. Preparei os embargos mas pensando numa oposição de suspeição – arrogância de jovem! Esperei, até que saiu a decisão: “Estou errado. Volto atrás em minha decisão. O Embargante tem total razão”. Era um homem, embora muito rígido, desprovido dessas vaidades sem sentido. Quero dizer, com isso, que os juízes são igualmente humanos, sujeitos a paixões terrenas, e, portanto, podem sim, em casos excepcionais, não conseguirem manter a equidistância necessária, a imparcialidade no exercício de sua atividade. Isso, porém, absolutamente não representa qualquer demérito ou crítica pessoal ou agravo à pessoa do juiz.
Em razão disso, pondero, deve haver maior flexibilidade no reconhecimento de suspeição de juízes. De uma maneira geral os advogados apenas estão buscando prevenir decisões injustas e manter a confiança da população na administração da justiça, corrigindo causas que poderiam motivar críticas malignas. Pelo menos o que eu penso, na certeza que se trata de luta contra moinhos de vento.