Crônicas

Na beira do rio

Márcia caminhava ao lado do rio. Fim de tarde de um dia ensolarado, bem típico de sua cidade, região sul capixaba. A última cheia, uma das maiores da história do rio, castigara sua cidade e cidades vizinhas.

Por: Sergio Damião em 27 de julho de 2020

Márcia caminhava ao lado do rio. Fim de tarde de um dia ensolarado, bem típico de sua cidade, região sul capixaba. A última cheia, uma das maiores da história do rio, castigara sua cidade e cidades vizinhas. Além de castigada pela cheia do rio do verão chuvoso de meses atrás, agora, no outono e inverno, torna-se agredida pela pandemia do novo coronavirus: Covid-19. Uma cidade de comércio, relacionamentos pessoais e sociais em frangalhos. Hábitos pessoais e comunitários modificados. Caminhava da Ponte de Ferro à Ilha da Luz, o trecho principal do seu rio no centro da cidade, a parte mais visível do seu leito. O seu olhar buscava as garças e os mergulhões, os pássaros do seu rio. Desde a grande cheia do início do ano de 2020, os galhos e pequenas árvores do leito do rio foram levados pela força das águas, encontravam-se rio abaixo ou nas águas do mar. Garças e mergulhões ficaram sem lugar de pouso e desapareceram. O rio perdeu parte de sua beleza, assim como o caminhar ficou mais triste. Um motivo a mais para a tristeza do olhar sob as mascaras dos caminhantes. Lembrava-se de anos atrás, buscava as imagens de Carlos: os primeiros olhares, o primeiro encontro, o primeiro beijo, as caricias em locais inusitados como estacionamentos, shoppings, ruas desertas ou movimentadas, tendo como cúmplice o assento do carro. Locais perigosos e estimulantes, próprios para os apaixonados. Lembranças de uma paixão. Mas, de repente, por meses, Carlos desapareceu. Só recentemente teve conhecimento da cirurgia e o tempo prolongado de hospitalização do Carlos. Aproximava-se da Ilha da Luz, permanecia o vazio em seu peito. Não sabia dizer se influência do empobrecimento do rio com o desaparecimento dos pássaros ou pelas lembranças da insegurança do Carlos. Um homem bom, emocionalmente instável. Desejava a fantasia e magia de uma paixão em meio ao caos familiar e pessoal. Um alento: a beleza do pôr do sol acima da Ilha. O sol sempre oferece sua beleza, seja ao nascer ou ao se pôr. Independente do local onde se encontre as pessoas. É uma estrela que se oferece à humanidade, não apenas a um povo ou local. Voltava o pensamento ao Carlos e as dificuldades encontradas para viver a paixão: diferença de idade; filhos; casamentos desfeitos; medos e receios no pós-pandemia. Até então vivera com uma ideia: a paixão não constrói um relacionamento duradouro. O amor e o convívio social constroem e facilitam a união eterna.