Artigo
“Por quem os sinos dobram?”
Eram apenas mãe e filha. O restante da família se existia, não contava. Foram muitas idas e vindas hospitalares. Os cuidados eram evidentes e recíprocos.
Por: Sergio Damião em 22 de março de 2021
Nesses tempos de pandemia de SARS CoV-2 (Covid-19), em que o distanciamento, físico e social, se acentuou para a prevenção da contaminação viral e pela degradação da sociedade, pensei na história que contei anos atrás. Eram apenas mãe e filha. O restante da família se existia, não contava. Foram muitas idas e vindas hospitalares. Os cuidados eram evidentes e recíprocos. Uma manifestação cada vez mais rara nos dias atuais, onde se evidenciam interesses e a distância dos mais jovens para com os que já envelheceram se acentuam. Mas a mãe e filha negras eram diferentes. A doença e as necessidades físicas da mãe cresciam dia a dia, não desanimava a jovem, pelo contrário, parecia estimulá-la. Mesmo sabendo da irreversibilidade. Não se questionava, nem se lastimava. Foram fotografadas. A imagem diz tudo, serve para os impertinentes e os descrentes. A imagem dispensa a voz e o som. As coisas são como se apresentam. A filha, uma jovem negra, alta, bem mais alta do que o normal. Magra. Em cidade grande alcançaria o estrelato. Uma manequim para os padrões europeus. Menos para a cidade natal. Na simplicidade do cotidiano, permanecia a postura e a grandeza do comportamento pessoal. Agradava pelo carinho demonstrado em cuidados dispensados para com a mãe enferma. A mãe, apesar da doença, dos sofrimentos físicos diários, demonstrava alegria e bom humor. Apresentava a saúde psíquica. Agia como se o fim da vida fosse algo esperado e preparado. Possuía a espiritualidade a flor da pele. Algo existia de diferente naquela mulher. Pela alegria demonstrada pela vida restante, prolongou as idas e vindas ao hospital. Por não se deixar abater pelos sofrimentos físicos, permaneceu contagiando os profissionais de saúde. Não importava por quanto tempo. O dia de sua partida será lembrado por aqueles que a cercavam. Um bom exemplo de vida. Simples mas contagiante. Não mudou a economia da cidade, não construiu obras físicas, empresas ou indústrias. Marcou a vida daqueles que partirão depois. Certamente mudou um pouco a vida de cada um que ficará por mais um tempo na terra. No dia de sua partida definitiva, na tristeza de sua ausência, ela fez com que: “Não nos perguntemos por quem os sinos dobram. Eles dobram por todos nós”.