Crônicas

Recusando hospedagem de negro

Fui procurado por um amigo negro que, muito triste, me fez uma consulta, pessoalmente, sobre um fato que aconteceu com ele próprio.

Por: Wilson Márcio Depes em 18 de julho de 2022

Fui procurado por um amigo negro que, muito triste, me fez uma consulta, pessoalmente, sobre um fato que aconteceu com ele próprio. Foi barrado num hotel por seu proprietário que é negro também. Ainda cabisbaixo pergunta ele: o crime está configurado no seu tipo ou se trata de auto-racismo não punível? Antes de procurar os mestres, como o Nucci, por exemplo, preciso dar uma conformação ao tema. Estabelece o art. 1º da Lei 7/716/89: “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
A partir daí, fixam-se vários tipos de discriminação racial como, por exemplo, demonstra o art. 7º: “impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar. Pena: reclusão de três a cinco anos”. Um dos principais tipos incriminadores encontra-se no art. 20: “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”.
Explica o meu mestre que surge daí o debate acerca da prática de discriminação, de qualquer espécie, por quem é, supostamente, uma minoria protegida. Ilustrando, poderia um negro, proprietário de um hotel, impedir o acesso a outro negro, por razões discriminatórias? Certamente que não. A democracia racial envolve todos os brasileiros, independentemente de caracteres pessoais particulares. O bem jurídico que se encontra em jogo não é pessoal ou individual, mas coletivo: a preservação da igualdade dos seres humanos perante a lei. Se uma pessoa, que poderia ser alvo de discriminação, em lugar disso, resolver discriminar, por evidente, encaixa-se no perfil ilícito da conduta. Não há permissividade para que qualquer pessoa possa operar a segregação por mecanismos espúrios.
O tema me fascina e tenho sido um estudioso dele. Ora, um negro que odeia negros, por exemplo, não tem o direito de, valendo-se de sua condição, disseminar o ódio racial. Definição e o mapeamento do genoma humano demonstram que cientificamente não existem distinções entre os homens e as mulheres, seja pela pigmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. Somos todos da raça humana, sem qualquer outra distinção. Por isso, o denominado auto-racismo não tem abrigo em nossas leis.