Crônicas

Todas as vidas importam

Indo para o trabalho no Bairro São Geraldo deparei-me com um gambá atravessando o asfalto, talvez procurando alimento ou abrigo. Observando melhor, seu corpo estava sem pelos e repleto de escoriações, como se tivesse sido queimado ou atacado.

Por: Marilene Depes em 1 de dezembro de 2020

Indo para o trabalho no Bairro São Geraldo deparei-me com um gambá atravessando o asfalto, talvez procurando alimento ou abrigo. Observando melhor, seu corpo estava sem pelos e repleto de escoriações, como se tivesse sido queimado ou atacado. Ele rapidamente desapareceu na vegetação, e fui embora constrangida pensando na desorientação dos animais silvestres que estão sendo desalojados de seu habitat pela invasão imobiliária. Ainda no mesmo bairro, apareceu na capela da Vila Aconchego, atrás do altar, um cão ferido, perdendo sangue, amedrontado e pedindo socorro com os olhos. Tentamos alimenta-lo pois estava magro e debilitado, uma veterinária atendeu nosso chamado, cuidou dele, limpou as bicheiras, todos se envolveram, funcionários e até hóspedes. Infelizmente ele havia sido atropelado ou espancado gravemente, seus órgãos internos apresentavam hemorragia e ele não resistiu.
Na semana seguinte assisti chocada na TV o espancamento de um cidadão negro, dentro de um supermercado, uma violência tão absurda que o levou à morte. E com pessoas ao redor filmando e não interferindo, em atitude de conivente sadismo. E para tentar justificar a carnificina, ainda tenta-se desmoralizar a vítima. Séculos após as mortes dos condenados nas arenas do Coliseu Romano, em meio aos aplausos das multidões, as cenas ainda se repetem, a atrocidade se banalizou aqui e em outros países em que os atos terroristas se avolumam, mata-se por motivos torpes como roubar um celular ou até justificando excesso de amor. Triste constatação, o ser humano, criado por Deus à sua imagem e semelhança, emerge em desumanidade com seus semelhantes, com os animais e com a própria natureza, destruída pelas queimadas e desmatamentos produzidos pela voracidade do poder econômico. Guardando as devidas proporções, tudo é violência e todas as vidas importam.
Estamos vivendo uma fase da história em que as forças do bem precisam se aliar, não se pode assistir a disseminação do mal sem se contrapor veementemente. Não podemos admitir o negacionismo de absurdos como o racismo, pois ao negar se desvaloriza os atos de barbárie e se omite a responsabilidade do Estado; como também acatar preconceitos, feminicídios, assassinatos por motivos torpes, desrespeitos às minorias, destruição da natureza, maus tratos aos animais, tudo que desumaniza deve ser veementemente condenado por quem ainda se sensibiliza. Se não somos desumanos, mas aceitamos acomodadamente a desumanidade que assola o mundo, somos omissos e coniventes.