Crônicas

Um dia de pai

Pensava no segundo domingo de agosto como um dia qualquer. Desde que se tornara adulto ou, mesmo na infância e adolescência, achava que podia ser assim: um dia qualquer de fim de semana. Mais ainda após tornar-se órfão do genitor.

Por: Sergio Damião em 15 de agosto de 2022

Pensava no segundo domingo de agosto como um dia qualquer. Desde que se tornara adulto ou, mesmo na infância e adolescência, achava que podia ser assim: um dia qualquer de fim de semana. Mais ainda após tornar-se órfão do genitor. A ausência do pai aprofundara o sentimento do esquecimento. A ausência levava-o a querer esquecer do tempo. Mas não o deixavam esquecer. Em cada rua, praça ou esquina uma lembrança. A lembrança crescia em intensidade conforme os dias de agosto se passavam. Por isso, escondia-se naqueles dias. Ainda assim, foi procurado. Caçado como um animal a ser domado. O telefone tocava, não respondia; a campainha fingia que não ouvia. Ignorava todos as solicitações de afeto ou tentativa de aproximação humana. O fantasma da dor o rondava. Além dos vínculos, temia o sofrimento. Fingia-se de morto. Com a morte não haveria mais sofrimento, talvez o esquecessem. Fugia e fingia. Fingia não ligar. Preferia assim: o anonimato. Era mais fácil, viver sem emoções. Sofreria menos. Uma prevenção e prudência: fidelidade com o futuro. Não sofreria com as perdas, nem com as ausências. Em uma rua vazia, foi avistado. Ao longe um menino acenava. Carregava uma bicicleta. Um presente adquirido com as economias do adolescente. Logo recorda da sua primeira bicicleta: uma Caloi. Toda vermelha. De repente, a bicicleta tornou-se o elo do menino e o pai adulto. Com ela retorna no tempo. Tempo das noites para descansar o corpo para um novo dia. Longe das noites atuais de tristezas. Pensou nos outros pais. Pensou no seu tempo de filho. Era possível sonhar. O adolescente nada pediu. Apenas que pedalasse. Direção que escolhesse. Era seu, o dia, portanto, ele escolheria. As bicicletas ficaram lado a lado. Em frente seguia, pedalava forte. O menino gritava. Riam. Alegres pedalaram. Ao pedalar forte, o vento levou para longe as tristezas da alma, limpou o espírito, tocou de leve na memória. Encontrava alegria pelo caminho, apesar do cansaço. Alegria era a razão esquecida da vida. Em sua simplicidade a bicicleta diminuía a distância da felicidade. Ela despertava no adulto o prazer de voltar aos tempos de infância. O adolescente descobrira a maneira de acordar a criança do adulto. Despertou o menino que se escondia. Despertou a alegria. Mesmo que tenha sido apenas naquele dia especial.