Crônicas
Vivendo o caos
Relutei para escrever, a sensação que se apossa de mim, se pudermos comparar, é de um carro que desenvolvendo velocidade normal é obrigado a frear abruptamente.
Por: Marilene Depes em 13 de abril de 2020
Relutei para escrever, a sensação que se apossa de mim, se pudermos comparar, é de um carro que desenvolvendo velocidade normal é obrigado a frear abruptamente. E não é você quem aperta o freio, ele é acionado por situações externas das quais não se possui nenhum controle. O ano começou estranho, perdi dois grandes amigos já no início, vi minha cidade devastada pela enchente, tentei manter-me dentro de um padrão de normalidade, mas sentia profundamente que algo não ia bem. Havia um sentimento de perda no ar, como um pressentimento do que poderia acontecer. Tentava ver os sinais ao redor, e não imaginava que o que estava por vir era de uma amplitude tão grande.
Subitamente me vejo totalmente paralisada, sem poder ir ao meu trabalho que tanto amo, tendo que suspender todas as reuniões – de grupos, conselhos, de amigas, suspender as missas, a academia de ginástica, consultas médicas, visitas, a convivência com os netos, entre outras. Uma reviravolta ímpar na vida que seguia um padrão, que tanto prezo, e que organizei e construí durante anos. E tudo para salvar a vida. Resumo do dia: acordar, caminhar, rezar, desinfetar todos os locais comuns, ler, limpar, organizar o que vou comer, lavar louça, pedir compras pelo telefone, conversar com os filhos que estão no trabalho, tentar pagar contas pelo celular, interagir com as redes sociais, ligar a televisão para ver as notícias, desligar para não ver as notícias, mexer no jardim, aguardar e assistir a coletiva do Ministro da Saúde, ver filmes, deitar aqui e acolá, estudar línguas pelo aplicativo, abrir a geladeira o tempo todo e evitar comer para não engordar, se enfadar, tentar não estressar os da arca comum, e fingir que está tudo bem. E agradecer a Deus, por estar na quarentena em melhores condições do que milhares de famílias. À noite deitar e não conseguir dormir, porque as estatísticas, exaustivamente demonstradas, é de que o idoso, diante dessa pandemia, deixa de ser um ser humano e passa à categoria de risco, e que será naturalmente descartado em detrimento de um jovem, o que é natural e razoável, mas dói. E ouvir isso o dia todo só piora a situação. Resumo, essa pandemia além de todas as mudanças que estão ocasionando no mundo, nos coloca diante de uma triste constatação – nada valemos, e os idosos valem menos ainda. Repudio veementemente os sádicos que, fingindo preocupação, postam vídeos e áudios aterrorizando as pessoas e também a quem os repassa. Agradeço a todos os profissionais da saúde que estão se expondo no enfrentamento à doença, e aos nossos Prefeito e Governador por protegerem, principalmente, a vida.