Crônicas

Como queres que eu te queira

E cansamos de várias maneiras: lamúrias, mau humor, agressões físicas e verbais, indiferenças... Por isso, aquele que não tem o convívio mais intimo, e diário, fica com as aparências.

Por: Sergio Damião em 29 de agosto de 2022

“Não canse quem te quer bem.” Li a frase em crônica de jornal de fim de semana. Ilustra bem nossas relações familiares e do cotidiano. Na verdade, acho que a pergunta deveria ser: Por que nos agredimos tanto? Mais, e exatamente, agredimos quem nos ama ou quer bem. Aquele que se preocupa e nos tem cuidado. E cansamos de várias maneiras: lamúrias, mau humor, agressões físicas e verbais, indiferenças… Por isso, aquele que não tem o convívio mais intimo, e diário, fica com as aparências. Deveria ser diferente. Em Buenos Aires, no letreiro de uma loja de Shopping Center, eu vi: “Como queres que eu te queira.” Não sei se o espanhol é exatamente este, mas o significado sim. Lembra uma provocação amorosa. Tratava-se de uma loja de lingerie. Lembra uma paixão, tempos que cedemos e nos colocamos à disposição de outra pessoa. A frase, e seu significado, poderiam ser ampliados, não necessariamente, ou exclusivamente, significar uma paixão amorosa, poderia ser para todas as formas de amor e cuidado. Mais ainda para o relacionamento não passional. Uma maneira delicada e simples de nos tratarmos. Deixaríamos a indiferença perdida e lembrada apenas em letras de músicas de paixões não resolvidas. Na letra da música pode constar: “Quem eu quero não me quer / Quem me quer mandei embora…” No dia a dia é frequente em hospitais o mau humor de pacientes com aqueles que os rodeiam. É verdade que muitas vezes o cansaço do trabalho ou dos cuidados não facilita o bom relacionamento. São manifestações diversas em enfermarias de doenças crônicas ou Pronto Socorro. Estar saudável ou alegre pode ser uma agressão para aquele com manifesta tristeza. Como se devessem sentir as mesmas dores ou indisposições. O reconhecimento pelo cuidado é raro. Por mais que se cuide, não é o bastante. Não acho o agradecimento necessário. Aqueles que cuidam, familiar ou profissional de saúde, cuidam pelo dever ou porque gostam. Mas, o mundo seria bem melhor se, além da disposição de fazer o bem, existisse o desejo e iniciativa de agradecer daqueles que recebem. E que cada um percebesse que o seu problema ou dificuldade não é único, nem o maior de todos. E que cada um, por mais que não aparente, carrega dores e tristezas suas e de outros. Portanto, merece um descanso e um olhar de agradecimento.