Crônicas

É só comigo?

Felizmente foi detectado em fase inicial e dezenove anos depois continuo viva, sou uma paciente em remissão, já que ainda não foi encontrada a cura. Tenho vida totalmente normal, exceto pelos exames que faço com constância a fim de detectar alguma recidiva.

Por: Marilene Depes em 30 de maio de 2022

Tenho enorme zelo por minha saúde e não estaria aqui escrevendo se não o tivesse. Em 2003 fui diagnosticada com Mieloma Múltiplo, um câncer de medula que oferece poucas possibilidades de vida. Felizmente foi detectado em fase inicial e dezenove anos depois continuo viva, sou uma paciente em remissão, já que ainda não foi encontrada a cura. Tenho vida totalmente normal, exceto pelos exames que faço com constância a fim de detectar alguma recidiva.
Neste ano comecei a sentir algumas dificuldades, um cansaço constante, uma pressão na cabeça ao redor dos olhos, espirros, olhos lagrimejantes à noite e inchados ao amanhecer e durante o dia e desconforto. Como me submeti à cirurgias de catarata estava atribuindo o fato a essas cirurgias. Apesar de desanimada, mas incentivada pela filha, viajamos para o exterior. As tribulações que vivenciamos no aeroporto de Guarulhos, correndo de um lado para outro, perdidos em terminais mal sinalizados, me fez até pensar que estava tudo bem comigo. Ledo engano, enfrentamos um frio enorme no Uruguai e retornei pior.
Marquei o hematologista que me acompanha, ele me pediu uma série de exames. Fiz os exames e enquanto esperava os resultados conversei com alguém com sinusite, que me foi narrando os seus sintomas que coincidentemente eram todos os meus. Marquei um otorrino que constatou muita secreção e receitou antibióticos e cortisona. Assunto sinusite resolvido.
Daí narro outra “via crucis”, sou gata escaldada e quando faço exames busco os resultados na internet à procura de alguma alteração. E havia, no hemograma uma alteração e em outro exame as taxas estavam bem elevadas. Como teria consulta na semana seguinte, e o médico não reside aqui, acessei o Google tentando entender os resultados. Bem, daí começou o drama, fui diagnosticada, pela rede, portadora de câncer, leucemia e infecção no fígado e rins. A angústia foi tanta que fiquei sem chão. Minha filha é médica, mas não quis perturbá-la sem antes falar com meu médico, não partilhei com ninguém da família pelo mesmo motivo e sofri durante seis dias, só imaginando meu fim e angustiada fui até dividindo meus bens, hipoteticamente, com filhos e netos. Contava dias e horas para a consulta e mergulhei na leitura para fugir da dura realidade, e se é para morrer, pelo menos morro dando conta em seis dias de leitura acumulada em meses.
Finalmente entreguei os exames ao médico, e ele foi olhando e desfazendo toda minha angústia, com lógica científica. Quando acabou a consulta o abracei com um profundo sentimento de redenção. Saí do consultório respirando todo ar do mundo, como se Deus tivesse me concedido novamente outra vida.