Crônicas

Imagens

As melhores imagens que guardo não são as gravadas em fotografias. Aquelas que outras pessoas podem acessar. Na verdade, essas, nem deveriam existir. Não transmitem o momento vivido, a essência e a intensidade do fato.

Por: Sergio Damião em 28 de março de 2022

As melhores imagens que guardo não são as gravadas em fotografias. Aquelas que outras pessoas podem acessar. Na verdade, essas, nem deveriam existir. Não transmitem o momento vivido, a essência e a intensidade do fato. As melhores, as que despertam emoções, boas lembranças e esperanças são as que ficam na retina, mais precisamente nas interações dos neurônios. Na profundeza do cérebro. Gosto das imagens que de repente tomam os pensamentos. Nos flashes atuais, a primeira imagem foi da adolescência, o Cais do Avião, o primeiro banho de mar, do campo de futebol em frente, da manga e jenipapo no quintal alheio, do aterro da ilha de Vitória, dos dias simples. Nesses locais, já não reconheço o que vivi. Um belo restaurante toma o Cais, uma arrumação que não alegra mais, apenas organiza a passagem. Nos flashes, do banho de mar no Cais do Avião à primeira viagem: Rio de Janeiro, o encantamento com a cidade e o ônibus leito. Os anos setenta, o milagre econômico brasileiro, uma sensação que tudo era possível. Meu pai vendia ilusões. As ações vendidas eram a certeza da riqueza fácil e rápida. Das ilusões da adolescência às necessidades da vida adulta. A primeira viagem a São Paulo, a chegada na Estação da Luz, o frio, o deslumbramento com a arquitetura em frente à parada de ônibus. O ônibus na cidade que amedrontava. No retorno ao Espírito Santo, as incertezas persistem. São atenuadas com os passos na beira do rio, o Itapemirim protege e fortalece seus conterrâneos e cúmplices. Mais ainda com a caminhada a favor do rio. Na retorno ao centro da cidade, temos a visão, em fim de tarde, inebriante, do Itabira sobre a Ponte de Ferro. Do Itabira me transporto para o calçadão da praia de Itaparica, Itapuã e da Costa. Logo, o Monchuá, assim chamava a pedra que eu criança escolhi em Cariacica. Para que servem as imagens? Na maioria das vezes para lembrar que o tempo passou. Quando permitimos, servem para lembrar o que fomos e no que nos transformamos. Quando de um tempo recente, servem para afirmar que as coisas que vemos, são as coisas que temos, devemos aprender a preservar. A certeza geralmente vem quando, por qualquer razão, nos afastamos e sentimos falta. É a prova que aprendemos a gostar daquilo que nos cerca.