Crônicas

Sobre o tempo

O tempo moldou a humanidade. Com sua contagem e medida marcamos épocas, feitos, conquistas, guardamos lembranças. Aprimoramos a memória. Com ela, apenas ela, pensamos, única forma de existir.

Por: Sergio Damião em 19 de setembro de 2022

O tempo moldou a humanidade. Com sua contagem e medida marcamos épocas, feitos, conquistas, guardamos lembranças. Aprimoramos a memória. Com ela, apenas ela, pensamos, única forma de existir. Sem o pensamento e as lembranças não existimos. Mesmo com um corpo perfeito, ficamos isolados no mundo. Muitas vezes fica um vazio, serve para a chegada da esperança. Em outras, vem o esquecimento, serve para o apagamento das coisas desagradáveis. Com o tempo se faz justiças, esclarecemos fatos, aprofundamos conhecimentos. O tempo refaz histórias. Com o tempo… O tempo é precioso. Algo dos humanos. Pertence a vida. Ainda que o tempo da vida humana seja curto. Nos tempos medievais, os nobres viviam ociosos. Para sua ociosidade dependiam da escravidão de povos. A escravidão tornou-se imoral. Demorou em nosso país. Fomos os últimos a libertar os escravos. No século da abolição, a produção de bens de consumo elevou-se. A força de trabalho, em especial na Inglaterra e América do Norte, e depois em todo o mundo, desvia-se do campo para as fábricas, uma nova forma de escravidão aparece. Lentamente, a sociedade, com as exigências dos explorados, corrige os erros e os direitos se apresentam. O trabalho, mais ainda o ganho financeiro, passa a ser um status social. Todo o tempo é disponibilizado para a produção e obtenção de bens. O trabalho e a utilização do tempo passam a ser obsessivos. Algo doentio. Os que não têm força para o trabalho, e produção, ficam sem utilidade social e são desprezados. O que vale é o que se produz em determinado tempo. A obsessão da ocupação do tempo leva a rapidez e a urgência das coisas. O minuto é sentido em menos dos 60 segundos. Vivemos das sensações urgentes e fugazes. Vivemos na superficialidade das coisas. O tempo passa a ser escasso. Vivemos sem tempo. Somos escravos do nosso pouco tempo. Não há tempo para observar passarinhos, terra molhada, rios, areia da praia, ondas no mar, fases da lua, conversa do vizinho, pedidos de casa… A utilização do tempo se restringe a produção e obtenção de coisas. Lembramos-nos das coisas que deixamos de ver em nosso tempo, quando ele se esgota. Perguntamos tardiamente: ainda há tempo? Tempo para a boa ociosidade, lazer, tempo para o outro e para nós mesmos. Sim, há tempo para mudar. Sempre existirá. Ainda que seja para uma palavra. Contudo, melhor seria, desde sempre, uma doação de parte do nosso tempo para quem precisa de nós.